quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 

O Homem completo

Bom Natal 2018!

 

 Na escola aprendi uma definição de Homem que dizia: “o homem é formado de cabeça, tronco e membros.” Recordo o orgulho com repetíamos aquela definição, era sinal da nossa grande inteligência e cultura!

A verdade é que sempre achei aquela definição muito reduzida e muito pouco adaptada à nossa realidade de crianças cheias de vida.  Nas minhas reflexões infantis, aquela definição reduzia a pessoa humana a um boneco – cabeça – tronco – membros. Faltavam outros dimensões importantes que faziam parte da nossa vida de crianças. A alegria das nossas brincadeiras, a angustia antes das “provas” (exames), os choros das crianças castigadas pela professora.

Hoje, passados muitas anos, continuo à procura de uma boa definição de Homem. Quem é o Homem?

Nesta época de Natal e Ano Novo, basta olhar à nossa volta para encontrar várias definições do Homem. Para uns o Homem é um consumidor compulsivo, para outros, um apreciador de boa comida e bebida. Uma definição actualizada e culta é dizer que o Homem é alguém que procura a felicidade e a auto-realização. Se subirmos um pouco mais, chegamos a definir o Homem como alguém que é generoso, que dá alguma coisa, pensa nos outros, ajuda uma boa causa, preocupa-se com os pobres os imigrantes e os refugiados.

São todas definições verdadeiras, mas parciais e incompletas; continuamos ainda a nível da escola primaria – é bonito repeti-las, mas são estreitas e limitadas, não abrangem tudo aquilo que é a realidade humana.

Para descobrir quem é o Homem temos que ir mais além, olhar mais alto, descer à interioridade, aceitar uma grandeza que supera o próprio homem.  O verdadeiro Homem é um ser imaterial, espiritual, sobrenatural e divino.

Em Belém encontramos o Homem completo e verdadeiro – é filho de Maria e Filho de Deus, é terreno e participa da natureza divina; vive na terra, mas pertence ao Céu.

Jesus é a chave obrigatória para ler, definir e compreender o mistério do Homem.

Todas a definições do Homem que esqueçam Belém são parciais e incompletas, desactualizadas e caducas, falseadas e enganosas.

Qual é o Homem que vai celebrar este Natal?

Vais celebrá-lo parcial ou completamente?

Desejo-te um santo Natal, cheio e autêntico e um Ano Novo feliz e completo!

Um grande abraço amigo. 

Roma, Natal de 2018

P. Fidelino

                                    Um quarto vazio

Durante muitos anos, trabalhei na África (Congo), um dos países mais pobres e problemáticos do mundo.

Agora, por algum tempo, a minha Missão é em Portugal, na periferia pobre de Lisboa.

A vida do missionário é um constante caminhar por ambientes longínquos e pobres, sem nunca parar. Ele não escolhe o rumo nem recusa uma proposta de missão.

Nós, missionários, só temos a liberdade de aceitar, com alegria e disponibilidade, a Missão que se segue. Desta vez, a minha liberdade, feita de obediência e vontade de servir, levou-me a uma outra terra e outra missão num ambiente completamente diferente da África.

 A minha atual Missão chama-se Camarate e Apelação. São duas paróquias na periferia de Lisboa. Aqui há de tudo: zonas onde vive gente mais ou menos rica e, outras, onde estão “arrumados” os muito pobres. Infelizmente, estas situações de miséria e marginalização são normais na periferia de Lisboa, uma grande capital do mundo Ocidental farto de tudo e pobre do essencial.

Os meus três colegas da nova missão acolheram-me de braços abertos e apresentam-me, como morada, um quarto completamente vazio – é a minha nova morada, no terceiro andar de um prédio ainda em boas condições.

Na verdade, o quarto pequeno e iluminado, tem o essencial: uma cama confortável para descansar e recuperar energias necessárias para o trabalho que me espera. Uma mesa, limpa e livre de tudo que, aos poucos, se encherá de papeis, notas e muitos afazeres. Um grande armário, embutido na parede que, aos poucos, vai encher-se de tudo, mesmo do supérfluo!

Ainda estou no princípio da minha presença nesta nova terra. Por agora, faço como todos os missionários quando chegam a um novo local - observar, escutar e aprender. Sim, tenho muito que aprender; em 25 anos fora do meu país e da minha cultura, muitas coisas mudaram na sociedade e na vida das pessoas.

Já comecei a escrever algumas coisas na minha agenda, até agora vazia. Vou acrescentando números no meu novo telefone e junto novas direções na lista de e-mails.

Aproveito todos os momentos para conhecer as” minhas ovelhas”. É o momento de encher o meu dia com novas ocupações e o coração com novas amizades.

Em breve, o meu quarto como a minha vida estarão cheios.  O quarto de coisas importantes e muitas coisas inúteis das quais me libertarei quando for enviado para outra missão. A minha vida encher-se-á de pessoas com histórias únicas, preocupações, urgências e amizades que alargarão o meu coração e enriquecerão a minha vida.

O missionário está sempre em Missão. E toda a Missão enche completamente a vida do missionário.

Um abraço amigo para todos.

P. Fidelino

Camarate (Lisboa) Outubro de 2016


 

Partir
Exílio ou nova missão?

Depois de quase um quarto de século de vida missionária em a África,  mais concretamente, no Congo, ex- Zaire, estou de partida para um período de trabalho missionário em Portugal. O coração rebela-se, a memória enche o presente com imagens felizes  dum passado vivido em cheio; os cristãos, o meu povo, a minha nova  família que aqui deixo, não compreendem.
A lógica da vida religiosa e missionária aconselha e a obediência dá razão. É preciso fazer a mala, apertar o coração, controlar a emoção, limpar as lagrimas e partir.

Mas restam algumas perguntas.
Porquê partir? É uma interrogação normal, pois o missionário parte  para as missões, não regressa das missões. Como explicar esta partida  contra a dinâmica da vida missionária?
Os superiores justificam-se : “É bom que venhas, para Portugal, para  que outros missionários possam partir para a Africa”. È verdade, têm  razão, aceito, pois não posso ser egoísta! Há um colega que espera a minha chegada para poder partir como missionário para o Brasil.

Partir é morrer um pouco? Sim.  Deixar a nossa missão, a nossa casa, o ambiente ao qual nos tínhamos  habituado. Interromper tantas actividades importantes, meter fim a um estilo de vida, deixar hábitos e maneiras de ser e estar na vida que  se tinham tornado uma segunda natureza. Sobretudo, abandonar, de um  dia para o outro e, para sempre, uma rede de relações e amizades  construída ao longo dos anos.
Sim, partir é difícil, doloroso e quase injusto! Sim, sem dúvida,  partir é morrer um pouco!
A palavra que mais ouço, nestes dias, é: “Vá com Deus, não nos veremos mais!”

Por outro lado, partir faz parte de vida e é ,mesmo, saudável. A  vida é movimento, acção, mudança, deslocações, partidas e chegadas.  A actividade missionária está, especialmente, associada a longas
viagens para terras desconhecidas. O missionário é um vagabundo do  Evangelho, um “sem-terra” que percorre o mundo sem parar. É uma pessoa  livre de todas as amarras, sempre disponível para ser enviado para  onde e quando for necessário. A natureza profunda do missionário é  estar sempre em caminho, em missão - “Ide por todo o mundo e anunciai o  Evangelho!”
Mais ainda, partir é ir ao encontro de novas oportunidades. É um acto  de confiança no futuro, é olhar o amanhã com esperança e abrir-se com  generosidade e disponibilidade à Vontade de Deus e ao seu plano de  salvar todos os homens, em todos o lugares.

Finalmente, partir é um acto de purificação. É um convite à renovação  interior. A partida obriga-nos a reorganizar a vida, deixar tudo o que  é supérfluo e centrar-se no que é essencial, importante e fundamental.
O missionário parte ligeiro e livre dos erros do passado e rico de  experiências positivas. Assim ,ele pode continuar, noutro sítio, a  missão de sempre, mas duma maneira renovada e actualizada.
Neste sentido, partir não é um castigo, mas é uma sorte. É uma  oportunidade para reajustar a rota, requalificar as capacidades e  recomeçar com novas energias.
Há 25 anos a Igreja de Portugal enviou-me como missionário para as missões da África.
Hoje, os cristãos africanos, do Congo, enviam-me para as missões de Portugal.
Cheguei jovem e inexperiente, parto fortalecido pela fé dos cristãos  africanos e com muita coisa para contar.
 Não, não  parto para o exílio, vou como missionário,  sou enviado para uma nova Missão.

Um forte abraço amigo para todos.

 Fidelino,
 Missionário nas missões de Portugal

Bambilo, R.D. Congo, Fevereiro de 2016