quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 

Partir
Exílio ou nova missão?

Depois de quase um quarto de século de vida missionária em a África,  mais concretamente, no Congo, ex- Zaire, estou de partida para um período de trabalho missionário em Portugal. O coração rebela-se, a memória enche o presente com imagens felizes  dum passado vivido em cheio; os cristãos, o meu povo, a minha nova  família que aqui deixo, não compreendem.
A lógica da vida religiosa e missionária aconselha e a obediência dá razão. É preciso fazer a mala, apertar o coração, controlar a emoção, limpar as lagrimas e partir.

Mas restam algumas perguntas.
Porquê partir? É uma interrogação normal, pois o missionário parte  para as missões, não regressa das missões. Como explicar esta partida  contra a dinâmica da vida missionária?
Os superiores justificam-se : “É bom que venhas, para Portugal, para  que outros missionários possam partir para a Africa”. È verdade, têm  razão, aceito, pois não posso ser egoísta! Há um colega que espera a minha chegada para poder partir como missionário para o Brasil.

Partir é morrer um pouco? Sim.  Deixar a nossa missão, a nossa casa, o ambiente ao qual nos tínhamos  habituado. Interromper tantas actividades importantes, meter fim a um estilo de vida, deixar hábitos e maneiras de ser e estar na vida que  se tinham tornado uma segunda natureza. Sobretudo, abandonar, de um  dia para o outro e, para sempre, uma rede de relações e amizades  construída ao longo dos anos.
Sim, partir é difícil, doloroso e quase injusto! Sim, sem dúvida,  partir é morrer um pouco!
A palavra que mais ouço, nestes dias, é: “Vá com Deus, não nos veremos mais!”

Por outro lado, partir faz parte de vida e é ,mesmo, saudável. A  vida é movimento, acção, mudança, deslocações, partidas e chegadas.  A actividade missionária está, especialmente, associada a longas
viagens para terras desconhecidas. O missionário é um vagabundo do  Evangelho, um “sem-terra” que percorre o mundo sem parar. É uma pessoa  livre de todas as amarras, sempre disponível para ser enviado para  onde e quando for necessário. A natureza profunda do missionário é  estar sempre em caminho, em missão - “Ide por todo o mundo e anunciai o  Evangelho!”
Mais ainda, partir é ir ao encontro de novas oportunidades. É um acto  de confiança no futuro, é olhar o amanhã com esperança e abrir-se com  generosidade e disponibilidade à Vontade de Deus e ao seu plano de  salvar todos os homens, em todos o lugares.

Finalmente, partir é um acto de purificação. É um convite à renovação  interior. A partida obriga-nos a reorganizar a vida, deixar tudo o que  é supérfluo e centrar-se no que é essencial, importante e fundamental.
O missionário parte ligeiro e livre dos erros do passado e rico de  experiências positivas. Assim ,ele pode continuar, noutro sítio, a  missão de sempre, mas duma maneira renovada e actualizada.
Neste sentido, partir não é um castigo, mas é uma sorte. É uma  oportunidade para reajustar a rota, requalificar as capacidades e  recomeçar com novas energias.
Há 25 anos a Igreja de Portugal enviou-me como missionário para as missões da África.
Hoje, os cristãos africanos, do Congo, enviam-me para as missões de Portugal.
Cheguei jovem e inexperiente, parto fortalecido pela fé dos cristãos  africanos e com muita coisa para contar.
 Não, não  parto para o exílio, vou como missionário,  sou enviado para uma nova Missão.

Um forte abraço amigo para todos.

 Fidelino,
 Missionário nas missões de Portugal

Bambilo, R.D. Congo, Fevereiro de 2016

 

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