sábado, 15 de outubro de 2011

Missão à sombra de cruz

Missionários Combonianos na RD Congo: Missão à sombra da cruz

Por: P.e MANUEL FIDELINO JARDIM, Missionário comboniano no Congo


(Artigo publicado na revista “Além-mar” de Junho 2011. Cf. http://www.alem-mar.org/)

«As obras de Deus nascem e crescem à sombra da Cruz», como disse S. Daniel Comboni e experimentam os Missionários Combonianos na República Democrática do Congo. Constituem uma família de oito dezenas de missionários, sacerdotes e irmãos, divididos em dezoito comunidades e presentes em oito dioceses. Apesar das dificuldades por que passa o país, cresceram e deitaram raízes: hoje os combonianos naturais do Congo são mais de meia centena, alguns a trabalhar noutras partes do mundo.

A história da Província Comboniana do Congo é uma história de gente solidária, que enriquece a tradição missionária da Igreja congolesa e merece ser aqui contada.
 
Um grande país

 O Evangelho chegou ao reino do Congo, actual Baixo Congo e Norte de Angola, em 1482, quando o navegador português Diogo Cão descobriu a foz do rio Congo. Foi o início de três séculos e meio de intenso trabalho missionário que terminou em 1835, com o decreto do Governo português que eliminava todas as ordens religiosas masculinas e a consequente confiscação e venda dos seus bens. Deste período, resta a memória do bispo D. Afonso, filho do rei congolês. Dom Afonso (1500-1546) foi ordenado sacerdote em Lisboa e, em 1521, consagrado bispo auxiliar do bispo do Funchal (diocese fundada em 1514), com residência em São Salvador.

A segunda etapa da evangelização do Congo começou em 1880, quando os Missionários Espiritanos fundaram a missão de Boma, no Sul do país.

O Congo começou a existir como entidade política em 1876 com a fundação, por Leopoldo II, rei dos Belgas, da Associação Internacional do Congo, para explorar e estudar as grandes regiões que o explorador e jornalista britânico Henry Stanley tinha acabado de explorar durante a sua bem-sucedida travessia da África (1864-1876). Em 1885 a Conferência de Berlim, reconheceu o rei Leopoldo II como proprietário do país. Em 1908, o Congo tornou-se colónia belga e obteve a independência em 30 de Junho 1960.

A jovem democracia foi gravemente abalada por divisões e guerras que levaram, em 1965, ao golpe de Estado e à ditadura do general Joseph Mobutu. Trinta e dois anos depois, em Maio de 1997, Laurent Kabila proclamou-se presidente. Seguiram-se dez anos de guerras que provocaram a morte de milhões de pessoas. Finalmente, em 2006, o país elegeu um parlamento e um presidente actualmente em exercício. Para este ano, em Novembro próximo, estão previstas novas eleições.

O sonho de Daniel Comboni

 O vicariato da África Central, confiado ao bispo Daniel Comboni, compreendia parte dos actuais Congo e Uganda. Em 1878, Comboni escreveu ao rei Leopoldo II: «No próximo ano pretendo fundar uma missão no lago Alberto [no Congo] e, no ano seguinte, outra no lago Vitória [no Uganda].» Este sonho só seria concretizado em 1952, ano em que as Irmãs Missionárias Combonianas abriram uma missão em Nduye, na diocese de Wamba. Os Missionários Combonianos chegaram em Dezembro de 1963 e fixaram-se em Rungu e Ndedu, na diocese de Isiro.

No ano seguinte, começou a «rebelião dos simba» (leão) que, em poucos meses, ocupou um quarto do território congolês. Foi a pior das rebeliões que o país conheceu. Mais de uma centena de missionários, milhares de catequistas e centenas de milhares de pessoas foram massacradas.

Do grupo de oito combonianos chegados ao Congo, quatro foram assassinados nessa rebelião. Outro, o Ir. Carlos Mosca, sobreviveu milagrosamente. Foi fuzilado e deitado ao rio com os mortos. Quando recuperou os sentidos, estava gravemente ferido e conseguiu esconder-se na floresta e receber ajuda.

A presença comboniana no Congo começava, assim, à sombra da Cruz, prova evidente de que era uma obra querida por Deus, pois «todas as obra de Deus nascem aos pés da cruz de Jesus». Foi no primeiro dia de Dezembro deste mesmo ano de 1964 que uma religiosa congolesa, a Irmã Anuarite, foi assassinada no Nordeste do país. Viria a ser beatificada em 1985.
 
O trabalho missionário
 
Os primeiros missionários combonianos que chegaram ao Congo dedicavam-se exclusivamente ao trabalho pastoral nas paróquias. Estas foram fundadas pelos Combonianos; algumas eram de antiga fundação, mas tinham sido abandonadas e foram confiadas novamente aos combonianos.

A paróquia de Bibwa, na periferia de Kinshasa, é a última paróquia fundada pelos Combonianos. O cardeal de Kinshasa confiou aos Combonianos uma vasta zona arenosa onde se aglomeravam desordenadamente milhares de pessoas que procuravam, na grande capital, uma vida melhor. Graças ao trabalho abnegado do missionário comboniano português P.e António Aparício Cardoso, um dos fundadores, foram construídas a casa dos missionários, uma bonita igreja, escolas, salas para encontros, escavaram-se poços e foram plantadas árvores. Em poucos anos, um deserto de areia transformou-se numa pequena cidade organizada à volta de uma comunidade cristã cheia de vida.

Outro estilo de missão é exemplificado pela paróquia de Duru, no Nordeste, a 30 km do Sudão. Foi fundada em 1932 e abandonada nos anos 60. Posteriormente, em 1975, foi entregue aos Combonianos. Esta missão, como outras do Nordeste do país, tem uma história trágica. Durante a guerra foi várias vezes saqueada e os missionários foram expulsos. Mas voltaram sempre. Em 2008, os rebeldes ugandeses do Exército da Resistência do Senhor (LRA, na sigla inglesa), atacaram a missão, saquearam-na e incendiaram-na. Dois missionários foram presos, maltratados e depois libertados. Um terceiro, o P.e Mário Benedetti (ver «Gente Solidária», Além-Mar, Fevereiro de 2010), conseguiu fugir para o Sudão, onde acompanha os cristãos congoleses ali refugiados.
 
A promoção humana

A actividade missionária visa «a pessoa toda». O anúncio directo do Evangelho vai acompanhado pela promoção humana, sobretudo a educação e a saúde. Neste campo, tem particular importância o trabalho dos Irmãos Missionários Combonianos. Eles tiveram, desde o princípio, um papel fundamental na obra de promoção humana. A conhecida escola técnica de Rungu foi, durante anos, dirigida pelos irmãos. Outras escolas beneficiaram largamente da intervenção dos missionários, seja na sua reabilitação seja na ajuda directa aos professores. Noutros casos, fundaram-se escolas nas áreas mais isoladas.

Fazendo memória desta presença missionária protagonizada pelos irmãos, impõe-se que citemos alguns nomes de irmãos que se distinguiram na sua acção. Os irmãos Tarcisio Calligaro e Santo Dal Monte, falecidos recentemente, foram pessoas extraordinárias quer pelas suas capacidades técnicas quer pela riqueza de carácter. O Ir. Tarcisio foi o grande responsável pela garagem comboniana na cidade de Isiro. O Ir. Santo foi um grande construtor de missões, conventos, dispensários, escolas, capelas e sobretudo igrejas e mesmo catedrais. O Ir. António Piasini, que trabalha há trinta anos na diocese de Bondo, uma das mais isoladas e abandonadas do Congo, é um grande reparador de estradas e construtor de pontes. A sua obra-prima foi a construção de uma ponte de 150 metros sobre o rio Api, que divide a diocese de Bondo em duas partes. A esta lista, temos de acrescentar o nome do Irmão missionário comboniano português Joaquim Gaspar Cebola, falecido em 16 de Setembro de 1979, na missão de Dungu, com apenas 30 anos de idade e que foi companheiro do Ir. Tarcisio nos trabalhos da garagem e procuradoria de Isiro.

A Saúde

 A grande «obra comboniana» no Nordeste do Congo é o hospital Anoalite, em Mungbere, na diocese de Wamba. É um grande e moderno centro hospitalar, onde trabalham quatro médicos e dezenas de enfermeiros congoleses. O médico e missionário comboniano P.e João Maria Corbetta é, desde há 15 anos, o responsável por este grande projecto. O hospital recebe frequentemente a visita de médicos especialistas da Itália, que fazem todo o tipo de operações. Durante os anos de guerra, o hospital foi várias vezes saqueado; mas, graças à tenacidade dos missionários e à ajuda generosa dos benfeitores, foi sempre reanimado com êxito.

Sempre na área da saúde, os Missionários Combonianos deram vida também a um pequeno hospital na localidade de Dondi e ao hospital de Duru, onde trabalhou o Irmão Hernán Romero, médico comboniano peruano; este hospital, porém, teve de ser abandonado depois que os rebeldes do LRA destruíram a missão.

Evangelização dos pigmeus

 Em 1984, dois missionários combonianos iniciaram uma comunidade em Bangane, na diocese de Wamba, com o intuito de estabelecerem uma presença missionária junto dos pigmeus. Os pigmeus são um povo simples e pacífico que vive da caça, da pesca e da colheita na rica floresta tropical. Apesar da sua grande liberdade e a da cultura própria, os pigmeus são muito dependentes das populações locais, que os menosprezam e exploram. O primeiro grande trabalho dos missionários foi ajudar os pigmeus a tomarem consciência da sua dignidade de pessoas livres e responsáveis. Por outro lado, foi necessário ajudar as populações locais a respeitarem os pigmeus como pessoas com os mesmos direitos e deveres. Em seguida, foi necessário ajudar os pigmeus a cultivarem os seus próprios campos, actividade fundamental para a sua sobrevivência, pois a caça e a pesca são cada vez mais raras.

Ao mesmo tempo, fundaram-se escolas para as crianças pigmeias. Hoje, há, em toda a diocese de Wamba, mais de cinco mil crianças pigmeias escolarizadas. Já há professores, enfermeiros e um estudante universitário vindos dos pigmeus. O grande apóstolo dos pigmeus é o P.e Franco Laudani, que desde há 25 anos dedica a vida à evangelização deste povo.
 
Animação missionária
 
A comunidade de Lemba, em Kinshasa, dedica-se exclusivamente à animação missionária. As principais actividades são a direcção da rádio Elikia (Esperança), propriedade da arquidiocese, a publicação da revista Afriquespoir e a editorial Afriquespoir, que já publicou mais de trinta livros.

Outras três comunidades funcionam como centros polivalentes onde coexiste a animação missionária, a promoção vocacional e um centro de espiritualidade comboniana. Especial atenção merece o centro polivalente Alfajiri (Aurora), em Kisangani, onde, além das actividades citadas, está previsto o funcionamento de uma biblioteca e um centro de consulta de Internet para professores e estudantes universitários.

Anunciar o Evangelho

Os desafios que se apresentam aos Combonianos e à Igreja do Congo são enormes.

O primeiro e mais urgente é o de anunciar o Evangelho no contexto actual do país. Estes 50 anos de independência resumem-se a cinco anos iniciais de democracia frágil e imatura que originou uma ditadura destruidora de trinta anos. Seguiram-se dez anos de uma catastrófica guerra africana e, finalmente, os últimos cinco anos, de democracia decepcionante. A guerra continua, a insegurança persiste, a miséria aumenta, o Estado está completamente ausente e as grandes esperanças postas nas eleições de 2006 foram completamente defraudadas. As pessoas estão cansadas, resignadas e sem forças para reagir a uma quaresma demasiado prolongada.

É urgente reanimar a esperança deste povo. Como os profetas do Antigo Testamento, os missionários devem ser os arautos corajosos de uma boa notícia — Deus não abandonou o seu povo! A esta longa via-sacra seguir-se-á a Páscoa. A presença dos missionários é a prova que este futuro existe e é bem real.

Trabalhar pela Reconciliação

Um segundo desafio foi proposto pelos dois sínodos dos bispos para a Igreja africana: formar uma Igreja Família de Deus e trabalhar para a reconciliação, a justiça e a paz.

Na verdade, depois de tantos anos de miséria, vive-se uma cultura do «salve-se quem puder» e do «desenrasque», o importante é sobreviver; acentuaram-se as diferenças e ressurgiu o tribalismo. É urgente recuperar o conceito, bem africano, da família alargada e solidária, que, nos momentos mais difíceis, se socorre mutuamente. A Igreja tem de ser este espaço onde as pessoas descobrem e vivem uma nova fraternidade que irmana todos os baptizados.

Além disso, esta grande nação precisa, para sobreviver com a sua identidade, de uma reconciliação geral, internamente, com a sua história e, internacionalmente, com todos os que causaram tanto sofrimento. Em seguida, é necessária uma justiça firme e imparcial para que o país chegue a experimentar aquela paz que é dom de Deus, mas é fruto de um esforço enorme de todos os congoleses.

Conclusão

 A história dos Combonianos no Congo começou com o martírio dos primeiros quatro missionários. Foi o início de uma via-sacra que demorou quase 50 anos. Este caminho foi semeado de perseguições e prisões de missionários.

Durante os anos de guerra, os missionários foram insultados, ameaçados e obrigados a deixar o país. As missões foram saqueadas, algumas destruídas.

Pior ainda foi testemunhar o grande sofrimento, as violências, as injustiças e a morte de milhares dos nossos melhores cristãos.

Deus, porém, nunca abandona os seus eleitos. A fé continua sólida e a esperança firme. Os frutos de tantas cruzes já são visíveis: nas nossas paróquias surgem líderes carismáticos embebidos do espírito evangélico, cresce uma sociedade faminta de reconciliação e de paz. A Igreja do Congo tornou-se mais forte e madura e dezenas de jovens congoleses tornaram-se missionários combonianos e servidores do Evangelho, em África e noutros continentes.




sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A viagem mais longa

Maboma é um cantinho sossegado na grande floresta equatorial e preservado da poluição moderna. Mas este isolamento privilegiado tem um preço a pagar – falta tudo o que é indispensável para a vida normal (sal, açúcar, gasolina, remédios, hóstias e vinho para a celebração da Eucaristia, etc.). Todos estes bens essenciais  encontram-se a centenas de quilómetros. Normalmente são os comerciantes que os transportam e revendem com grandes margens de lucro.

Um dia pus-me a caminho e fui às compras à Butembo, um grande centro comercial, perto do Uganda e a cerca de 600 km de Maboma. A comunidade pouparia umas centenas de Euros, compraria uma moto nova e visitaria uma missão comboniana recentemente aberta. Fui acompanhado dum comerciante amigo conhecedor destas andanças.

Depois de uma semana tinha compras para todo o ano, uma tonelada de mercadorias, das quais 500 litros de gasolina. O meu colega tinha outro tanto. Iniciamos a viagem de regresso.

Os primeiros 300 km o transporte foi feito por camião, numa estrada razoável; depois, a carga, toda bem embalada em sacos de plástico impermeáveis à chuva, foi dividida em 20 bicicletas. O meu colega e eu tínhamos cada um a sua moto.

A viagem começou da pior das maneiras. A minha moto estava demasiado carregada, as luvas novas apertavam-me os dedos, a embraiagem era demasiado dura e, o pior de tudo, o céu estava carregado sinal evidente de chuva que, de facto não demoraria a cair abundantemente. Eu quis adiar a partida, mas o meu colega opôs-se. Partimos com uma hora de atraso.

À saída da cidade começou uma chuva que nos acompanharia por três horas. A estrada tinha-se transformado num pequeno rio. Eu debatia-me contra a chuva que me molhava completamente e num o esforço e a tensão enormes para controlar a moto que a carga desequilibrava facilmente. Seguia fielmente o meu colega, especialista destas estradas, que, no meio da água, escolhia acertadamente o carreiro exacto por onde passar.

Depois da chuva veio a lama. A poucos metros à minha frente, o meu guia debatia-se num perigoso exercício de e equilibrismo, depois seria a minha vez. As mãos seguravam fortemente o guiador, mantendo a moto no carreiro justo. As pernas tinham a maior parte do trabalho, normalmente ajudavam a equilibrar a moto, mas serviam também para travar e empurrar. Era uma tarefa massacrante, perigosa e extenuante. A faixa de rodagem era reduzida, apenas a alguns centímetros, dum lado e do outro era uma vala profunda deixada pelos camiões que tinham estragado irremediavelmente a estrada.

A um certo momento ouvi uma forte pancada na protecção dianteira da moto e depois uma dor aguda na perna esquerda que me fez ver estrelas. A moto parou sem cair. Era um tronco escondido no meio das ervas, a perna, pelo momento, não guardou qualquer sinal do acidente.

Pela estrada encontramos outros colegas de desgraça, sorríamos desejando-nos boa viagem.

Ao atravessar uma ponte, na verdade dois troncos escorregadios, desci da moto e empurrei-a, escorreguei e fiquei debaixo da moto. Felizmente, ao cair, apertei a buzina e fui prontamente socorrido.

Os últimos 15 km foram peníveis. Todo o corpo estava dolorido, a mão esquerda mal podia apertar a embraiagem e, as pernas, depois de tanto esforço, tinham perdido todo o vigor e a noite, que se aproximava rapidamente, impedia-me de ver claramente a estrada. No limite das forças, concentrava-me completamente na luz traseira da moto do meu guia e seguia-o como um autómato.

Finalmente chegamos à nossa casa. Com um último esforço consegui estacionar a moto, descer e manter-me de pé.

Cada parte do corpo reclamava uma atenção especial. As mãos encravadas restavam entreabertas, as pernas quase não me seguravam de pé, as costas era a parte mais dolorida, pareciam partidas em cada vértebra.

Apesar do corpo massacrado, interiormente estava feliz. Tinha comprimido a minha missão e vencido um desafio muito difícil.

A viagem de 200 km tinha durado treze horas. Foi a viagem mais longa feita com o mais perigoso dos meios de transporte na pior das estradas que se possa imaginar.

Mais tarde descobri que tinha um braço negro, e a perna esquerda inchada e as nádegas em carne viva.

Depois dum jantar rápido tentei encontrar uma posição menos dolorosa para dormir, o extremo cansaço obrigou o corpo a encontrar a o repouso que tanto necessitava.

No dia seguinte, tinha mais de 50 km até chegar a Maboma, a minha casa. Durante as três horas de viagem, já me via chegar a casa, tomar um bom banho, comer alguma coisa, beber um café reconfortante, deitar-me e tentar descansar, todo o dia.

Ao chegar encontrei a casa fechada. O meu colega tinha saído e levado a chave. Embebido em suor, extremamente cansado e sobretudo sedento, tive que esperar até à noite para tomar um simples copo de água.

Depois de uma viagem de quase 600 km, eu era um estrangeiro na minha casa!

A vida missionária é uma maravilha!

Maboma, RD Congo, 10 de Junho de 2011

O Padre Longo



O padre Bernardo Longo era um missionário italiano do instituto do Dehonianos também conhecidos como os padres do Coração de Jesus, que trabalhou toda a vida na África.

Jovem missionário foi enviado para Nduye, o lugar mais recuado e isolado na grande floresta do Congo. Não se sabe bem o que levou os superiores a fundarem uma missão numa zona tão inóspita. Parece que foi o grande amor do padre Longo pelos pigmeus que o levou a fixar-se exactamente onde estes “habitantes da floresta” se sentiam bem, longe de todos e em contacto directo com a mãe floresta.

Durante anos, o P. Longo, que foi um dos primeiros a aproximar-se dos pigmeus, trabalhou sozinho. Ensinava o catecismo e era ajudado pelos habitantes locais na construção da primeira escola e duma pequena igreja, primeiro com paus e barro, depois em tijolos e folhas de zinco.

Ao fim de poucos anos, havia uma Igreja viva, formada por cristãos recém-baptizados. Havia ainda muito a fazer. Com a chegada das irmãs missionárias, foram construídos, uma grande casa para acolher uma grande comunidade de irmãs, uma escola para as meninas e um pequeno hospital. Foi também construída uma casa espaçosa para os missionários que nunca chegariam, de facto, o padre trabalhou sempre sozinho.

Este missionário extraordinário tinha um dom especial para as coisas técnicas. Fundou uma escola de carpintaria e, sobretudo, uma escola de mecânica que formou gerações de mecânicos famosos em toda a Província Oriental do Congo.

No fim do ano de 1964 a missão de Nduye encontrou-se no meio da revolução dos Simba. Um movimento de ódio irracional que massacrou milhares de pessoas, entre os quais estavam mais de uma centenas de missionárias e missionários.

O nosso santo missionário foi preso junto com as cinco irmãs, levados à força para Mambasa, uma cidade distante 60 km. O padre foi executado em público, no meio da praça da cidade.

Antes de morrer, e como última vontade, disse que perdoava aos seus filhos aqueles que o matavam) e pediu que não fizessem mal às irmãs.

Os algozes, não se sabe porque, respeitaram a vontade do missionário, as irmãs foram imediatamente libertadas. Segundo as irmãs, aquele foi o primeiro milagre do novo mártir.

Aterrorizadas, interiormente destruídas, órfãs dum pai amoroso, aquelas irmãs jovens e destemidas voltaram ao seu posto de trabalho. Eram encorajados por um grande ideal e por uma força “vinda do alto”. Estavam seguras da protecção paterna do padre Longo. Até então tinham tido um pai e um amigo, a partir daquele momento tinham um potente protector no céu.

Com a continuação da guerra, elas tiveram que abandonar a missão, para voltar mais tarde.

Depois da guerra, as missionárias e os cristãos de Nduye transladaram o corpo do padre Longo e enterraram-no interior da igreja paroquial.

Hoje, esta em curso o processa para a beatificação do heróico missionário.



Mambasa, R.D. Congo, 6 de Junho de 2011

O primeiro passo - a Missão de Nduye

A grande e antiga diocese do bispo S. Daniel Comboni (1831-81) incluía uma parte do actual Congo. Ele tinha projectado a abertura duma missão neste país, mas a sua morte prematura adiou a sua realização. Foi só em 1952, que um grupo de missionárias de Comboni chegaria a Nduye, bem no meio da floresta congolesa.
Eu tinha programado, várias vezes, visitar Nduye, mais nunca tive a possibilidade. Um dia, indo a caminho de Butembo, passei por lá.
Viajávamos, já há sete horas, quando chegamos a uma pequena e miserável povoação. Eram 13.00 horas e o sol abrasador parecia haver expulsado a vida daquela terriola sem beleza. O meu colega disse: “É aqui Nduye!” Era então, aquela a nossa terra santa, a porta de entrada dos combonianos no Congo! Paramos, procuramos a antiga missão e fomos acolhidos pelo velho catequista que guarda a antiga casa dos missionários. Abrimos o nosso farnel e comemos sem pressa enquanto o catequista narrava emocionado a história daquela missão. Ouçamo-lo!

Foi pela mão do padre Longo, um missionário do Coração de Jesus (Dehonianos), que as Combonianas tinham chegado até ali.
Em 1951, cansado de viver sozinho e sabendo da falta que faziam as irmãs na missão, ele foi à Itália decidido a voltar com uma comunidade de missionárias. O P. Longo estava de acordo com Comboni que dizia: “Nestas terras africanas uma irmã faz mais do que cinco padres!”
Durante três meses, o missionário percorreu a muito católica Itália, bateu a porta de muitíssimos conventos de irmãs, para escutar as irmãs aterrorizadas responderem: “Levar irmãs para o meio da África!!!” Mais que uma temeridade, semelhante convite soava a uma provocação.
O tempo de regressar aproximava-se e o desespero aumentava. Como podia apresentar-se sozinho na sua querida missão! Ele tinha prometido que regressaria com as irmãs e os cristãos já tinham começado a construir a casa para elas.
Nas vésperas de partir, já conformado com a sua pouca sorte, alguém lhe indicou um convento de irmãs na pequena cidade de Verona. Já sem esperança e sabendo antecipadamente a resposta, o missionário bateu à porta e apresentou-se. Em vez do habitual refrão, a irmã que o acolheu, que era a madre geral das Missionarias Combonianas, olhou-o admirada e contemplou-o em silêncio. Quem sabe, a madre geral, ao contemplar aquele missionário barbudo, avançado nos anos e a careca queimada pelo sol africano, ter-se-á lembrado do seu santo fundador, Daniel Comboni. O padre não compreendia o que estava a acontecer e a madre parece que tinha perdido a fala. Finalmente, ela deu um grito de alegria, abraçou o missionário dizendo: “Padre, foi Deus que o enviou aqui!”
Sentados, tomando uma taça de chá, a madre explicou ao atónito missionário os motivos de tanta alegria. As Combonianas estavam em vários países da África, mas nunca tinham sido convidadas para trabalhar no Congo, terra bem-amada de Comboni. Além disso, naqueles dias, havia um grupo de 5 jovens irmãs que tinham terminado a formação e estavam impacientes para partir para a África, mas não sabiam onde envia-las. A madre concluiu com as palavras mais doces que o santo missionaria jamais tinha ouvido: “As cinco irmãs partirão todas consigo para a sua missão, serão como suas filhas!”
Voando de alegria o padre regressou ao Congo para terminar a casa das irmãs.
Pouco depois, chegaram as juveníssimas missionárias, o padre acolheu-as de facto como filhas e os cristãos receberam-nas, de braços e corações abertos, como mães carinhosas.
Em 1964, durante uma guerra, o padre Longo e as irmãs foram presos. O missionário foi assassinado e as irmãs foram obrigadas a abandonar a missão.
Elas voltariam, outra vez, até que una nova guerra, em Dezembro de 1996, as expulsou definitivamente.
Desde então a missão de Nduye está abandonada.

Mambasa (R.D. Congo), 6 de Junho de 2011