sexta-feira, 21 de outubro de 2022

 

Páscoa 2022

O Manuel da Terra e a Maria do Ceu

Queridos amigos,

Espero que este tempo de Pascoa seja uma oportunidade para estar, outra vez, juntos. De longe, partilho convosco a história dum casal amigo, digamos do Manuel da Terra e a Maria do Ceu.

Saúde, dinheiro e amor

O Manuel entrou no seminário criança e saiu aos 24 anos. Estivemos juntos os últimos três anos. Ele revelou-se um génio nos negócios, casou com a Maria do Céu e viveram anos de sucesso.

Trabalharam duro, ganharam muito dinheiro que investiam e produzia mais fortuna. Os filhos foram chegando ao ritmo da natureza, sem pressa nem rejeição. O Manel pedia a Deus três coisas, saúde para viver bem, dinheiro para alimentar e educar os filhos e amor para viver  feliz com a família. Ele teve tudo em abundância – saúde de aço, negócios bem sucedidos e uma família grande, feliz e unida. Viviam num palácio aberto aos amigos. Os filhos cresceram, formaram-se e seguiram as suas vidas. Com Maria do Céu, sua amada e inseparável esposa, viviam um amor afortunado, florido  como uma eterna Primavera.

Um dia, apareceu um crise financeira e levou tudo. No fim, o banco levou a sua casa onde viviam.

Hoje, o Manuel e a Maria vivem ,  num pequeno apartamento, com uma pequena reforma. Não tem  bens nem dividas.  Os filhos vivem longe e como podem. A Maria conformou-se, mas o Manel repete, amargurado, Deus deu a sorte tirou! A saúde é uma ilusão, o dinheiro um engano e o amor passageiro!

 Fé, Esperança e Amor

A Maria do Céu nunca foi muito devota. Foi uma criança obediente, jovem desinteressada e deixou a Igreja sem nunca saber em que acreditava. Com a vida adulta, simplesmente não havia tempo. A crise trouxe-lhe tempo sem fim. Um dia, encontrou uma foto da sua primeira comunhão. Ficou emocionada! Havia qualquer coisa de divino naquela criança inocente e pura que segurava um teco entres as mãos. Mais tarde, ela pegou num terço e ainda sabia rezar ave-maria, mas tinha esqueceu parte do pai-nosso.

Dias depois, regressou a Igreja. Primeiro por curiosidade, depois porque tinha tempo, por fim, já não podia viver sem a Missa dominical. Sem saber como, a Igreja deu-lhe nova vida, mais forca de viver.

Entretanto descobriu um grupo de oração, fortaleceu a sua Fé, reavivou a Esperança nas realidades futuras e a sua vida encheu-se de um amor maior que o seu coração, um Amor divino.

A Maria do Ceu, as vezes, na companhia do seu Manel, seguia as cerimonias do tempo de Pascoa. A festa da Ressurreição era muito especial; a Missa era mais bonita, os cânticos mais alegres e a presença de Deus mais palpável. A sua vida encheu-se de uma nova luz, a amor transbordava para os mais necessitados e Deus passou a ser o centro da sua nova existência.

Brincando com o marido, ela resumia assim a sua vida. O Manuel da Terra arrastou-me para o trabalho exagerado e a procura stressante da riqueza e um apego permanente e doentio as coisas da terra. Agora, Eu, Maria do Ceu, tenho a missão de levar o meu Manel da Terra para as coisas do Ceu.

Ela reconhece que a crise foi uma bofetada abençoada, uma lufada de ar fresco na vida dos dois. Eles viviam centrados no perfeitamente secundário, os bens materiais, as riquezas terrenas e esqueciam o único necessário – Deus e as coisas do Ceu.

A Páscoa é o tempo de voltar atras, reorganizar a vida, estabelecer prioridades e recentrar tudo em Deus, o Único necessário e indispensável. A Ressurreição é o inicio da Vida nova, quando o Ceu entrou no nosso mundo e, aos poucos, as coisas da terra passam e as coisas do Céu tornam-se mais presentes.

É esta a vida dos meus pobres cristãos: não tem vida fácil, mas são ricos da presença do Ressuscitado.

Um grande abraço amigo com os melhores votos de Boa Pascoa!

Kampala (Uganda) Pascoa 2022

Fidelino

 

A alegria de Belém 

Feliz Natal de 2021! 

O Natal de 2021 é o mesmo de sempre, mas, mesmo assim, pode ser um Natal diferente, único.

Será um Natal especial se celebrado intensamente com a justa medida de silêncio, reflexão e meditação.

Um Natal bem vivido pode durar longo tempo. Ainda recordo o meu primeiro Natal africano, vivido, há muitos tempo, numa pequena comunidade cristã bem no coração da floresta.

 Passaram muitos anos, mas os seus efeitos duram até ao presente.

Deixei o centro da missão, bem cedo, e dirigi-me para uma pequena aldeia isolada e bem protegida por uma densa floresta, pequenos rios e muitos riachos.  Os primeiros 50 km usei o jeep. Depois pedalei a bicicleta por mais 30 km, sempre no meio da vegetação abundante, densa e verdejante. 

À minha espera estava toda a aldeia em ambiente de festa. A capela de palha e paredes de barro estava limpa e concertada, parecia nova. As pessoas vestiam as pobres roupas de sempre, mas a alegria era nova e reforçada. A comida de todos os dias, talvez mais abundante, era partilhada com uma felicidade comunicativa e expansiva. 

Chegou a hora da celebração do Natal, bem no meio da noite. A pequena capela estava completamente cheia. À volta do altar havia duas tochas que davam luz suficiente para iluminar todo o espaço. Começamos a celebração com a procissão de entrada, o celebrante, dois leitores e alguns acólitos. Desde o fundo da capela avançávamos a passo de caracol enquanto toda a gente cantava  ao ritmo dos tambores. Eram afinadas e fortes e a dança respeitosa e intensa – era a alegria total, de corpo e alma.

Seguiu-se uma celebração longa mais de duas horas. 

 A festa era intensa e palpável, a felicidade individual e comunitária ecoava pela vasta floresta. A silenciosa noite encheu-se de contentamento e júbilo sem fim. Em Belém os coros dos anjos ajudaram as pobres vozes dos pastores. Ali, a capela era o palco onde um potente e afinado coro, ajudada pelo ribombar dos tambores, convidava toda a floresta a alegrar-se com a grande festa do Natal.

 Não me lembrou o que disse, na altura ainda balbuciava a língua local. Esqueci o nome da aldeia, que provavelmente já não existe. Mas a alegria e a felicidade experimentada, vivida e partilhada,  essa fica para sempre. Foi o primeiro Natal africano, o mais forte e até comovente, talvez o mais feliz cuja recordação ficará para sempre.

 O Natal não depende da qualidade nem da quantidade de presentes dados e recebidos. Trata-se de acolher, na nossa vida concreta, o Hóspede divino. Não depende de comidas apuradas nem de bebidas requintadas. Natal é um acontecimento divino. É deixar-se invadir pelo mistério de um Deus que se faz menino para poder partilhar completamente a nossa pobre humanidade.

 Os “meus cristãos” ensinaram-me que o Natal não pertence aos fartos e abastados, cheios de tudo e vazios do essencial. Natal é a festa dos simples de coração e pobres de bens materiais, os únicos com espaço para acolher completamente o Emmanuel, o Deus connosco que enche todas as dimensões da nossa vida.  Natal não é um banquete, é uma experiencia religiosa, é um encontro misterioso mas real. 

Um forte abraço amigo com os melhores votos de

Bom Natal e Feliz ano novo para ti e toda a tua família.

Kampala, Uganda, Natal de 2021

Fidelino

 

Parabéns pelas 84 Primaveras ! 

A vida dos anos avançados

Querida mãe, avó, bisavó, tia ...

Bonita idade, 84  são muitos, mas ainda não estamos saciados. Queremos muitos, muitos mais!

Cada estação da vida tem os seus anos e cada um é vivido com uma intensidade própria.

Não é fácil imaginar uma existência tão longa, repleta de 84 longos e exuberantes anos de vida vivida intensamente, oferecida e esgotada até aos limites da força humana.

O que se passa na vida de uma pessoa que viveu tanto tempo? Como é o dia-a-dia de um octogenário?

Os jovens têm anos cheios de agitação, mas nem sempre cheios de vida.

Os de idade avançada têm anos com pouco vigor físico, mas cheio de experiência e sabedoria da vida.

Os jovens julgam ter ao seu dispor uma mocidade eterna, plena de energia e felicidade sem limites.

Os idosos aprenderam que a vida são dois dias, com algumas alegrias e muitos desenganos.

O anos da juventude são vividos na azáfama de possuir e armazenar coisas que  não enchem o coração e acabam em fumo. Os anos avançados são pobre de coisas e cheios de vida verdadeira e significativa.

Os anos da casa dos oitenta são muito diferentes, mais calmos, completos e mais espirituais.

As forças físicas diminuem,  mas a energia interior feita duma visão mais completa da vida, fortalece-se.

Sim, com o passar do tempo, os anos enchem-se duma nova vitalidade, de luz mais brilhante e de uma Esperança que cresce e se fortalece com o tempo.

São anos repletos de recordações do passado distante de de saudades daqueles que já partiram, e são sempre mais, e estão cada vez mais perto.

São anos de libertação de tudo o que é deste mundo. Coisas que eram indispensáveis tornam não necessárias e tudo o que era muito importantes, agora  perdeu todo o valor.

Os anos avançados são tempos livres de todas as ocupações e preocupações que preenchiam todo o espaço e todo o tempo. Agora há tempo suficiente para tudo. Para orações prolongadas, leituras interessantes, programas televisivos muito bonitos e notícias sempre actualizadas.

Este mundo com as suas festas e alegrias, as muitas seduções e enganos passam rápido.

No horizonte, já não demasiado distante, nasce uma luz, cada vez mais brilhante. É a certeza de uma nova possibilidade de vida. É uma outra existência que continuando esta já iniciada, recupera e associa todos aqueles que já partiram e aumenta infinitamente a felicidade real apenas sonhada nesta terra.

O Céu que, no início era promessa longínqua, passa a ser uma certeza absoluta. 

Os anos avançados são cheios de uma grande Esperança que não engana, dum futuro luminoso e certo.

São anos cheios de sabedoria aprendida na escola da vida real e acumulada durante anos, mas há pouco gente disponível para ouvir e receber o que custou uma vida a aprender.

Querida mãe, avó, bisavó, tia, obrigada\o pelo passado longo e com muitos momentos felizes. Obrigada\o  pelo presente feito de serenidade e muito paz, alegre acolhimento e amor puro e maternal.

Quanto ao futuro, que a Deus pertence, prometemos aproveitar todos os momentos para estar consigo, visitá-la e oferecer flores, ouvir histórias de outros tempos e seguir os seus conselhos cheios de sabedoria e muita experiencia da  vida.

Não se esqueça de rezar a Deus por cada um de nós, somos muitos, mas as suas orações chegam longe.

Abraços e beijos com os votos de muitas felicidades. Em nome de todos,

  Fidelino


 

Boa Páscoa!

Da terra ao Céu

 

 A Páscoa é a maior festa da nossa fé, aprendemos isso no catecismo. Na realidade do nosso dia-a-dia, a Páscoa é a festa mais difícil de compreender. Gostaria de partilhar contigo a história da senhora Maria, esperando que ajude a esclarecer o grande mistério da nossa fé - a Páscoa.

Conheci a senhora Maria num encontro ocasional. É uma pessoa simples, bem apresentada, avançada nas casa dos sessenta e adivinha-se um grande sofrimento, uma tristeza profunda que domina toda a sua existência e personalidade. É católica e pratica a sua fé com Missa ao domingo e orações diárias.

Ela casou cedo e tiveram uma filha que foi uma bênção de Deus e o centro da vida do casal.

Durante anos, diz ela, viveram como a família de Nazaré, unidos, felizes e abençoados por Deus.

Um dia, porém tudo mudou. A menina, a única filha,  foi atropelada e morreu imediatamente!

A senhora Maria continuou a sua narração acompanhada de abundantes lágrimas. Na verdade, chorou muito e falou pouco. Disse que a sua vida tinha terminado no dia em que enterrou a sua querida filhinha. O marido queria outro filho, mas ela, com medo de o perder noutro acidente, fechou o seu coração a uma nova vida, a um novo amor, a uma nova oportunidade.

Apesar de crente, muito católica, a senhora Maria tem uma mágoa profunda - “Deus poderia ter impedido aquele acidente!” E continua -  “Que mal fiz a Deus para me castigar com tanta dor?”

Ela conclui a sua história dizendo que duas vezes por dia, vai ao cemitério “visitar e pôr flores a sua querida menina” e isto já dura há mais de quarenta anos!

Lembrei-me de tantas outras senhoras Maria e senhores Manuel que passaram pela mesma experiência. Aceitaram a partida do filho\filha e vivem felizes dizendo – “Deus deu-nos  filhos na terra e um anjo no Céu!” Ou “A morte do meu filho\filha foi uma grande dor, mas tornou-se na maior das bênçãos.”

Outros afirmam, ajudados pela Fé pascal, na Ressurreição – “ Não entendo os planos de Deus, mas sinto que o meu filho\filha é um anjo no Céu rezando por mim e pela minha família.”

A senhora Maria, ainda que católica e praticante, não acredita na Ressurreição! Portanto não é Cristã!

Ela vive num passado distante, antes da vinda de Jesus, antes da Ressurreição. Que pobre cristão!

Ela passa imensamente mais tempo no cemitério do que na Igreja. Ela enche a sua vida com um morto e esquece  Jesus vivo e Ressuscitado que está na Igreja e em todo o lado. Pior ainda, a senhora Maria continua a procurar entre os mortos a sua filhinha que está bem viva e muito feliz no Céu!

Páscoa é a passagem de Jesus do cemitério ao Céu. Jesus viveu a nossa vida, partilhou as nossas angústias e sofreu mais do que podemos imaginar. Morreu, foi sepultado, venceu a morte, saiu vitorioso do túmulo e agora vive uma vida completamente nova no Céu.

A terra é um lugar de passagem, somos viajantes para o destino final que é o Céu. O drama e a infelicidade da senhora Maria é viver agarrada a um punhado de terra, presa a uma menina que existiu há quarenta anos,  em vez de levantar os olhos para o Céu. Ela faz da terra uma morada definitiva.

Páscoa é viver com os pés bem assentes na terra, mas a cabeça e o coração, a esperança está no Céu!

É por isso que eu e  “os meus cristãos” no meio de tantas dificuldades, rodeados de tantas doenças, onde a morte é companheira quotidiana, podemos, hoje, cantar “Aleluia, o Senhor Ressuscitou!”

Um abraço amigo com os melhores votos de boa Páscoa para ti e toda a tua família.

Fidelino  

Kampala (Uganda), Páscoa 2021

 

O Natal do Irmão Rinaldo

 Bom Natal 2020!

1. Uma família de missionários

 

O Irmão Rinaldo (não Ronaldo!), meu colega de comunidade,  é um missionário de 88 anos, 64  dos quais passados em África. Ele vem de uma humilde de agricultores com oito filhos.

Quando o seu pai era jovem, o Pároco disse-lhe, “Acho que darias um bom sacerdote”. Resposta pronta do jovem – “Prefiro casar e mandar os filhos para o seminário!” Assim foi, de oito filhos, seis são mis-sionários, duas irmãs, três sacerdotes e o Irmão Rinaldo, todos eles missionários na África e Américas.

O Irmão Rinaldo é um santo homem, alegre, bem disposto e um exímio contador de histórias e anedotas. Para a sua idade, ainda é forte, goza de boa saúde e safa-se com dois comprimidos diários.

O jovem Rinaldo trabalhou duro para pagar os estudos dos irmãos. Com a sua namorada pensavam formar família. Quando ele disse à namorada que ia ser missionário, ela ficou feliz, pois essa era também a sua vocação! Hoje são os dois missionários, um na Africa, outro nas Américas!

Quando ele foi ao convento visitar a sua irmã e dar-lhe a notícia que ele seria missionário, a superiora da casa, alertou-o para as dificuldades da vida religiosa, da necessidade de deixar tudo. O Rinaldo disse: “Espero que ao menos me deixem visitar a minha namorada!” A Irmã ficou furiosa e concluiu que ele não tinha vocação. Foi preciso a própria irmã intervir e dizer que o seu irmão estava a brincar.

Como missionário ele fez de tudo um, mas a sua especialidade é a construção. Construiu igrejas, capelas, hospitais e centros de saúde; também casas para missionários e tudo o que foi necessário.

 2. Um Natal diferente

Acerca deste Natal 2020, eis as suas palavras:

“Este ano celebramos o Natal com a pandemia que já levou duas dezenas de colegas missionários.

A dizer a verdade, eu senti ciúme deles; já chegaram ao destino e eu ainda ando por aqui! Não tenho pressa, mas o meu desejo profundo é reunir-me com as pessoas muito queridas e, sobretudo contemplar eternamente o rosto daquele Jesus que nasceu em Belém.

O que mais me entristece é ver como  o medo que tomou conta da humanidade. Nesta situação, a pessoa mais querida pode ser portadora de morte. A minha proximidade é uma sombra ameaçadora.

No entanto, esta pandemia trouxe uma oportunidade única de celebrar o Natal na sua simplicidade e verdade original. Os pastores de Belém, os primeiros a viver o Natal, encontraram Maria e José e o Menino Jesus. Eles também foram confinados e celebraram o nascimento do Emanuel no local mais simples e isolado que se pode imaginar. Além disso, este tempo de incertezas é mais oportuno para acolher o Salvador e implorar a sua intervenção para uma situação que escapa ao nosso controlo.

A verdade é que o COVID-19 libertou-nos de  muitas coisas que desvirtuavam o espírito do Natal – azáfama, banquetes exagerados que arruínam a saúde, despesas inúteis, etc.

Uma lei exceptional, obriga-nos a ficar em casa, celebrar o Natal intimidade da família nuclear e impede-nos de esbanjar o 13º mês em despesas exorbitantes e fora de horas.

O Irmão conclui: “Há vida para além do COVID-19 !

Este Natal é um convite a recomeçar uma vida nova reforçando os laços familiares e centrando-se à volta do presépio, junto com Maria e José e os pastores.

Um abraço amigo e os melhore votos de Bom Natal e Feliz Ano Novo 2021!

Uganda, Natal 2020,                  

Fidelino  


 
Feliz Páscoa 2020!
A história da Ana e da Maria
 
Este ano temos uma Páscoa sem festa, mas, como sempre, cheia de Ressurreição!
A Páscoa é o desabrochar da vida nova no meio da morte. É a luz da Ressurreição que ilumina o nosso
presente sombrio. Páscoa é a força do Ressuscitado que transforma toda a realidade e vence a morte.
Ao desejar-te boa festa da Ressurreição, gostaria de retomar a história da senhora Ana, a “a “Avó de
Jesus.” Lembras-te da Ana, a senhora reformada que dedica o seu tempo a construir escolas no Uganda?
A Ana tem duas filhas e vários netos. Falemos da filha mais velha. Chama-se Maria e é uma mulher de
sucesso. Foi uma excelente estudante, tem uma ótima carreira profissional, um marido maravilhoso e
duas filhas extraordinárias. A Maria herdou da mãe uma vontade férrea e uma capacidade de lutar por
aquilo em que acredita. O resultado é um nível de vida muito elevado e uma confiança inabalável nas
suas capacidades e num futuro assegurado contra todos os contratempos. A Maria costuma resumir a
sua vida em poucas palavras: “Tudo o que tenho consegui-o com o meu trabalho, não devo nada a
ninguém e a minha família está em primeiro lugar!” Afirmação bonita e moderna!
Escutemos o desabafo da senhora Ana, quando fala da filha:
“Cada vez que saio de casa para ir passar algum tempo na África, é uma guerra com a minha Maria.
Ela diz-me que ando a perder tempo e a preocupar-me com gente distante e desconhecida. Que eu
troco a família por estranhos. Eu fico em silêncio para controlar os ânimos. Mas tinha vontade de
dizer-lhe que ela faz férias quatro vezes por ano, compra roupas caríssimas que usa uma só vez e
passa mais tempo a visitar lojas do que a conversar com o pai e com a mãe. Doí-me o coração ver
os milhares de Euros que ela gasta em coisas inúteis e nunca deu um cêntimo para comprar um
caderno para as minhas crianças africanas.”
A senhora Ana continua,
“A minha netinha queria vir comigo. A ideia de passar um mês com a avó, conhecer nova gente,
ver uma realidade diferente e, sobretudo, conhecer as crianças que enchem a vida da avó era,
para a jovem, uma ocasião a não perder. Além disso, seria uma grande ajuda para mim, pois a
minha neta fala inglês e conhece melhor como circular nos grandes aeroportos. Falei com a minha
filha que se opôs-se com todas as forças – Ir para a Africa, para o meio da sujidade, ainda apanha
alguma doença, nem pensar! Você faça o que quiser, mas a minha filha, nunca viajará, nunca!”
Em vez de vir comigo, a mãe obrigou a miúda a ir fazer um curso de inglês em Boston (USA)! Eu
tive que viajar sozinha, o que me custa muito. A minha neta podia estudar inglês aqui no Uganda!”
Depois de escutar a Ana, pensemos seriamente na Maria que, orgulhosamente, diz “A minha família em
primeiro lugar!” Será verdade? Quem está, verdadeiramente em primeiro lugar na vida da Maria? Certamente não a mãe, de quem desconhece o rico e generoso coração, nem a filha a quem impede viajar com a querida avó. Melhor seria dizer que a Maria, mulher cheia de si mesma, é o centro da família, do mundo, e, quem sabe, do universo!
Ela organiza a sua vida, gasta o seu dinheiro e manda nos outros, exceto na mãe, claro! A verdade é que esta pobre senhora tem sucesso na vida, tem dinheiro e é admirada pelo mundo. Mas falta-lhe o principal – olhos para ver o essencial da vida. A Maria é cega e surda! Não vê os sonhos da sua
própria mãe e não ouve a voz da filha que quer experimentar uma outra vida e viver novas aventuras!
É tempo de Páscoa, Luz, Ressurreição, Vida Nova.
A senhora Ana já vive a Páscoa partilhando a sua vida nova com as crianças pobres da África. Ela caminha, a passos largos, na estrada que vai do “eu” ao TU e que nos conduz à Ressurreição.
A pobre Maria ainda vive no túmulo do “eu”, cega e surda para as vivências dos seus, fechada ao “outro”.
A tragédia da Maria é viver num mundo totalmente fechado, onde não há espaço para a Ressurreição.
Boa festa de Páscoa e da Vida Nova para ti e toda a tua família!
 

Fidelino

Kampala, Uganda, Páscoa 2020


 

Parabéns querida mãe!

Com três letrinhas apenas...

Com três letrinha apenas se escreve a palavra mãe… ou três palavras apenas para descrever uma mãe.

 1. Deus está em toda a parte

Em criança, custou-me a aprender as orações, que a mãe ensinava com paciência infinita, mas gostei imenso da definição de Deus, aprendida com gosto - “Deus é o nosso Pai do Céu, está em toda a parte e cuida de nós.”

Ainda hoje medito na profundidade desta grande revelação: Pai do Céu, amoroso e Todo poderoso, está em toda a parte e pensa e cuida de nós. Não há pessoa rejeitada por Deus e não há lugar sem a presença amorosa de Deus! Deus não julga, não castiga, mas está ocupado e preocupado a cuidar e tratar de cada um de nós!

Este foi, sem dúvida, o lema da mãe ao longo de 83 anos de vida. Estas palavras foram vividas, experimentadas, verificadas em cada instante da vida. É impossível compreender esta longa vida sem a presença real, certa e constante de um Deus que é Pai, que nos acompanha em toda a parte e pensa carinhosamente em nós.  Deus esteve sempre presente na vida da mãe; ao longo das Primaveras perfumadas e floridas, nos Verões felizes e luminosos, nos Outonos chuvosos e sombrios e, especialmente, nos Invernos longos, frios e escuros.

Tão certo como o ar que respiramos foi a presença permanente de Deus que escreveu direito, às vezes, por linhas tortas e estranhas, o que, no fim, será o livro ou romance da vida. A mãe sabe que tudo o que é bom vem de Deus, e não há nada que Deus não possa remediar. Deus está no início de cada dia com a sua força amorosa, guia-nos e abençoa durante as atividades quotidianas e vela e protege durante o descanso noturno. Durante esta longa vida, não houve um dia sem a reza do terço, nem domingo sem missa, nem festa sem confissão; nunca houve um só momento sem a certeza absoluta da presença real de Deus que é Pai, está em toda a parte e cuida de nós.

A vida simples com Deus é uma obra de arte, a vida grande sem Deus, no fim, é um punhado de terra!

 2. As surpresas da vida

Há uma curiosidade doentia para penetrar os segredos da vida e prever o amanhã. Os mais ousados gastam fortunas para adivinhar o futuro e não recebem mais que respostas inúteis e enganosas.

A mãe sempre soube que o futuro a Deus pertence. Por isso, a melhor atitude é estar aberto às surpresas da vida que é governada por Deus. O lema da mãe foi – “Pés firmes no presente e deixar-se surpreender pela vida”.

De facto, a história da mãe foi, e continua a ser, uma caixa de surpresas, cheia de novidades e imprevistos, mais rica e fértil que a própria imaginação.

A mãe deixou-se surpreender, desde aquele “SIM”, dado à pressa, que mudou para sempre a sua vida e trouxe à existência uma nova geração.  Aceitou comovida os filhos que chegavam ao ritmo da natureza, com a certeza que ‘o que Deus dá, Deus ajuda a criar.’ O espanto de uma grande colheita, a maravilha de uma visita inesperada que alegrava a vida. O fascínio do revelar-se do futuro dos filhos, onde cada um foi seguindo o seu rumo e a sua vida.

A mãe aceitou com emoção e grande surpresa a chegada alegre das noras e dos genros que trouxeram mais netinhos, mais novidades e enormes alegrias e surpresas sem fim.

O segredo destes anos foi viver o dia-a-dia, sem querer antecipar o futuro, certos que Deus nos surpreenderá com novos desafios, novas oportunidades que tornam a vida uma empolgante aventura.

 3. Obrigada

Agradecer é sinal de maturidade de quem sabe de onde veio e para onde vai. Viemos do nada acolhidos por mãos carinhosas e continuamos (não acabamos) nos braços amorosos de Deus. A palavra mais repetida, ao longos destes anos, foi, sem dúvida: ‘Obrigada!’ “Ah, muito obrigada!” Estas podiam ser as palavras da mãe, neste 20 abril 2020.

“Obrigada, antes de mais, a Deus pela vida e pela minha história, pela grande família, especialmente marido, cunhados\as, filhos, filhas, noras e genros, pelos netos e netas que são as flores do meu presente. Obrigada pela minha longa vida cheia de aventuras emocionantes e surpresas maravilhosas e qualquer desventura dolorosa.

Obrigada pelo passado, tudo o que veio da mão de Deus como dom, alegria e consolação e, também, o que veio como prova e sofrimento e me fez crescer e aumentou o meu amor a Deus e aos outros. Obrigada pelo presente, uma grande Primavera, onde colho com abundância o que semeei com muito suor – o amor sem limites dos meus queridos filhos, enriquecido pelas suas famílias, especialmente os meus amadíssimos netinhos.

Mas sobretudo, obrigada, meu Deus, pela promessa de um Futuro cheio de Luz, Felicidade e Vida sem fim!”

De longe vai o meu abraço agradecido e votos das melhores felicidades - Parabéns querida mãe!

Fidelino

Uganda 20 de abril de 2020

 A avó de Jesus

Bom Natal 2019!

 

Encontrei a senhora Ana quando visitava uma missão. Estava de partida para a Europa depois de uma rápida estadia de três semanas. Aproveitei o pouco tempo disponível para escutar a sua muito interessante e formativa história.

A Ana, como gosta de ser chamada, é uma senhora bem-apresentada, tem um físico de uma atleta ou modelo. Fala com entusiasmo da sua vida, longa de 75 anos, das duas filhas, que pensam diversamente e, fala, sobretudo, do seu marido com quem partilha a vida e a paixão pela África.

A Ana foi educada numa escolha católica de irmãs que lhe deixaram o amor pelos mais pobres. Ainda jovem enfermeira ela passou umas férias num hospital na Índia. Mais tarde, esteve na Tanzânia e, desde há vinte anos descobriu a sua nova paixão – as crianças sem escola dum lugar esquecido do Uganda.

Tudo começou quando duas colegas lhe disseram que tinham estado no Uganda a visitar uns missionários amigos. Chegadas ao local, descobriram que a casa, onde ficariam hospedadas, não tinha casa de banho. Assim, nesse mesmo dia, foram dormir a uma pensão e, no dia seguinte, voltaram para a Europa escandalizadas - como é possível viver sem casa de banho! A visita foi rápida, mas os efeitos duradouros! O pior, continuam a contar as colegas da Ana,  foi  terem esquecido de deixar o dinheiro que levavam para ajudar a missão. Essa foi a ocasião para a Ana, na altura jovem despachada e afoita, iniciar uma história que dura há mais de vinte anos.

Através das amigas, que lhe deram o dinheiro já recolhido, ela contactou os missionários e, no ano seguinte, a Ana e o marido, um bom pedreiro com um coração dourado, vieram, plea primeira vez ao Uganda para terminar a casa dos missionários, incluindo as casas de banho. Aqui descobriram as aldeias cheias de crianças sem escola.

Nos vinte anos seguintes a Ana e o marido com a ajuda de muitos amigos que recolhiam ofertas, vêm ao Uganda, todos os anos durante um ou dois meses para construírem novas escolas. Já vão na escola número 80! Mesmo assim, ainda há crianças sem escola e por isso a missão continua. Entretanto também construíram algumas capelas, uma dela dedicada a santa Ana.

A minha maior alegria, diz ela, é estar rodeada de crianças que me chamam “MÃE”, mas eu sei que estes anjos são os meus netos. Ana, continua ela, era a mãe de Maria, Nossa Senhora e, avó de Jesus. Estas crianças são como o menino Jesus e eu sou a avó deles todos!

Ana, depois da reforma, é livre e pode dedicar-se ao que mais gosta, estar nesta terra e fazer qualquer de útil para estas crianças e preparar-lhes um futuro.

A Ana é uma guerreira e ganhou todas as batalhas da vida: casou aos 18 anos sem saber o que fazia, criou duas filhas o melhor que pode, erradicou dois cancros do seu corpo e reformou-se antes do tempo. Agora vive com uma reforma de 600 Euros, tem o apoio total do marido e a ajudada de centenas de amigos. Todos juntos vivem para algumas crianças do Uganda .

Mas a guerra da Ana ainda não terminou. Antes de mais, são as 2 filhas que não querem que a mãe parta; depois é o marido que começa a estar cansado (ser pedreiro aos 75 anos não é fácil). Mas, a maior batalha é com o cardiologista que lhe diz constantemente, senhora Ana, cuidado que o seu coração não aguenta tanta actividade!

A Ana ri-se e diz que um mês por ano, passado no meio dos seus novos netinhos (as crianças africanas) enche-lha a vida de alegria, faz bem ao coração e dá-lhe força e energia para todo o ano.

Além disso, a Ana já tem o testamento – Se eu morrer na África deixem-me cá, no meio daqueles que sempre amei. Mas usem os 10.000 Euros que gastariam para repatriar o meu corpo, para construir uma nova escola. Entretanto a Ana vive feliz no meio dos seus netinhos!

Bom Natal!                  

      Fidelino

                          Kampala (Uganda), Natal de 2019

 

A centésima casa

 Caros amigos,

 Eis-me, outra vez, de volta ao centro da Missão, bem no coração da África!

Depois de uma passagem rápida por Portugal, dois aninhos, estou de volta à minha terra prometida. O marinheiro volta sempre ao mar e o missionário parte da sua terra! O missionário é um peregrino que leva Deus no coração e vai ao encontro dos irmãos mais distantes e, quase sempre, os mais pobres.

Agora estou no Uganda, mesmo ao lado do Congo (Zaire) onde trabalhei durante anos.

Ainda que andarilho de profissão - “Ide por todo o mundo anunciar a Boa Nova”, é com grande emoção, com um certo espírito de aventura e curiosidade, e, sobretudo, com muita disponibilidade que o missionário começa uma nova missão. É uma experiência empolgante que exige uma nova adaptação (ao país, língua, cultura, clima) mas nos dá muita alegria e realização pessoal. Ser missionário não é difícil, é uma grande sorte!

A grande novidade nesta minha nova missão é o novo trabalho. No Congo, durante duas décadas, trabalhava numa missão – paróquia grande com muitas capelas espalhadas por uma grande área geográfica. Estava constantemente em viagem para visitar os cristãos dispersos nas aldeias. Nas cartas que vos enviava do Congo, alguns de vocês, acompanharam-me nessas longas e interessantes viagens no meio da floresta africana.

Cf. https://missaonocongo.blogspot.com/

Agora, o meu trabalho vai ser mais sedentário – estou a trabalhar num seminário, na formação de futuros missionários. Assim o trabalho pastoral fica reduzido ao fim de semana numa paróquia aqui perto.

Parti de Lisboa e cheguei ao aeroporto da capital do Uganda, mesmo na margem do grande lago Vitória. Depois de cerca de uma hora de viagem, por estradas mais ou menos boas, umas novas, outras ainda em construção, no meio de um trânsito desorganizado e com muita gente ao longo da estrada, sobretudo jovens e crianças, cheguei à minha nova morada.

Os meus dois novos colegas estavam à minha espera. Deram-me um quarto espaçoso e bem iluminado pelo sol africano e disseram-me: “Bem-vindo, esta é a tua casa!”

Lembrei-me das palavras de Jesus: “Quem deixar a casa, pais, irmãos…, receberá, já no presente, cem vezes mais em casas …” Esta é, portanto, a minha centésima casa!

Os meus novos colegas de jornada são também missionários que vêm de outras aventuras. O padre Silvestre, um jovem missionário ugandês, foi missionário no Peru e na Etiópia. O Irmão Rinaldo, italiano de 86 anos, passou a vida neste país. Foi construtor de escolas, casas religiosas e igrejas. Agora está a “construir” – formar futuros missionários. O irmão passa mais tempo na capela que no quarto e pensa mais no céu que na terra!

Aqui perto temos o grande santuário dos Mártires do Uganda, digamos que é a Fátima de toda a África Central. Portanto estamos bem acompanhados!

Continuamos unidos na amizade e, quem sabe, na oração. Repito as palavras do Papa Francisco – “Rezem por mim e pelos missionários!” O nosso trabalho missionário é duplo, levar Deus aos homens e levar os homens a Deus, portanto eu levo-te até Deus (rezo por ti).

Um grande abraço amigo.

Fidelino

 N.B. Eis a minha localização.     https://goo.gl/maps/7fXyV6CoAcaQ9yjv5

Namugongo – Kampala (Uganda), novembro de 2019

 

 

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 

O Homem completo

Bom Natal 2018!

 

 Na escola aprendi uma definição de Homem que dizia: “o homem é formado de cabeça, tronco e membros.” Recordo o orgulho com repetíamos aquela definição, era sinal da nossa grande inteligência e cultura!

A verdade é que sempre achei aquela definição muito reduzida e muito pouco adaptada à nossa realidade de crianças cheias de vida.  Nas minhas reflexões infantis, aquela definição reduzia a pessoa humana a um boneco – cabeça – tronco – membros. Faltavam outros dimensões importantes que faziam parte da nossa vida de crianças. A alegria das nossas brincadeiras, a angustia antes das “provas” (exames), os choros das crianças castigadas pela professora.

Hoje, passados muitas anos, continuo à procura de uma boa definição de Homem. Quem é o Homem?

Nesta época de Natal e Ano Novo, basta olhar à nossa volta para encontrar várias definições do Homem. Para uns o Homem é um consumidor compulsivo, para outros, um apreciador de boa comida e bebida. Uma definição actualizada e culta é dizer que o Homem é alguém que procura a felicidade e a auto-realização. Se subirmos um pouco mais, chegamos a definir o Homem como alguém que é generoso, que dá alguma coisa, pensa nos outros, ajuda uma boa causa, preocupa-se com os pobres os imigrantes e os refugiados.

São todas definições verdadeiras, mas parciais e incompletas; continuamos ainda a nível da escola primaria – é bonito repeti-las, mas são estreitas e limitadas, não abrangem tudo aquilo que é a realidade humana.

Para descobrir quem é o Homem temos que ir mais além, olhar mais alto, descer à interioridade, aceitar uma grandeza que supera o próprio homem.  O verdadeiro Homem é um ser imaterial, espiritual, sobrenatural e divino.

Em Belém encontramos o Homem completo e verdadeiro – é filho de Maria e Filho de Deus, é terreno e participa da natureza divina; vive na terra, mas pertence ao Céu.

Jesus é a chave obrigatória para ler, definir e compreender o mistério do Homem.

Todas a definições do Homem que esqueçam Belém são parciais e incompletas, desactualizadas e caducas, falseadas e enganosas.

Qual é o Homem que vai celebrar este Natal?

Vais celebrá-lo parcial ou completamente?

Desejo-te um santo Natal, cheio e autêntico e um Ano Novo feliz e completo!

Um grande abraço amigo. 

Roma, Natal de 2018

P. Fidelino

                                    Um quarto vazio

Durante muitos anos, trabalhei na África (Congo), um dos países mais pobres e problemáticos do mundo.

Agora, por algum tempo, a minha Missão é em Portugal, na periferia pobre de Lisboa.

A vida do missionário é um constante caminhar por ambientes longínquos e pobres, sem nunca parar. Ele não escolhe o rumo nem recusa uma proposta de missão.

Nós, missionários, só temos a liberdade de aceitar, com alegria e disponibilidade, a Missão que se segue. Desta vez, a minha liberdade, feita de obediência e vontade de servir, levou-me a uma outra terra e outra missão num ambiente completamente diferente da África.

 A minha atual Missão chama-se Camarate e Apelação. São duas paróquias na periferia de Lisboa. Aqui há de tudo: zonas onde vive gente mais ou menos rica e, outras, onde estão “arrumados” os muito pobres. Infelizmente, estas situações de miséria e marginalização são normais na periferia de Lisboa, uma grande capital do mundo Ocidental farto de tudo e pobre do essencial.

Os meus três colegas da nova missão acolheram-me de braços abertos e apresentam-me, como morada, um quarto completamente vazio – é a minha nova morada, no terceiro andar de um prédio ainda em boas condições.

Na verdade, o quarto pequeno e iluminado, tem o essencial: uma cama confortável para descansar e recuperar energias necessárias para o trabalho que me espera. Uma mesa, limpa e livre de tudo que, aos poucos, se encherá de papeis, notas e muitos afazeres. Um grande armário, embutido na parede que, aos poucos, vai encher-se de tudo, mesmo do supérfluo!

Ainda estou no princípio da minha presença nesta nova terra. Por agora, faço como todos os missionários quando chegam a um novo local - observar, escutar e aprender. Sim, tenho muito que aprender; em 25 anos fora do meu país e da minha cultura, muitas coisas mudaram na sociedade e na vida das pessoas.

Já comecei a escrever algumas coisas na minha agenda, até agora vazia. Vou acrescentando números no meu novo telefone e junto novas direções na lista de e-mails.

Aproveito todos os momentos para conhecer as” minhas ovelhas”. É o momento de encher o meu dia com novas ocupações e o coração com novas amizades.

Em breve, o meu quarto como a minha vida estarão cheios.  O quarto de coisas importantes e muitas coisas inúteis das quais me libertarei quando for enviado para outra missão. A minha vida encher-se-á de pessoas com histórias únicas, preocupações, urgências e amizades que alargarão o meu coração e enriquecerão a minha vida.

O missionário está sempre em Missão. E toda a Missão enche completamente a vida do missionário.

Um abraço amigo para todos.

P. Fidelino

Camarate (Lisboa) Outubro de 2016