quarta-feira, 14 de maio de 2014

A capela de Guludi

Uma viagem de 70 km a pé para visitar um grupo de cristãos

Guludi, uma das 50 comunidades cristãs da nossa paróquia, fica a 40 km de mota e a 35 km a pé. É uma viagem que requer uma boa condição física. Por isso, um mês antes, começo um programa intenso de preparação física com os jovens. Dirijo os treinos antes dos encontros de futebol e, enquanto eles jogam, eu continuo a correu à volta do campo.
Infelizmente, uma semana antes da viagem, magoei-me numa perna, no terreno de jogo. Além disso, o médico de Bondo, a 150 km, de passagem pela missão, descobriu-me uma “febre tifóide” e deu-me uma cura de antibióticos, que me debilitava o organismo.
No dia da partida tinha melhorado muito. A primeira etapa foi um passeio de 40 km de mota. Cheguei à tarde e celebrei a missa com os cristãos desta grande capela.
O catequista que iria acompanhar-me tinha a irmã muito doente. Fui visitar a senhora que de facto estava em fim de vida. Rezamos e administrei-lhe o sacramento dos doentes.
Apesar da situação muito grave da irmã, o catequista decidiu partir comigo dizendo “Não posso deixar o trabalho que Deus me deu”. Formávamos uma boa equipa, eu ainda meio coxo e ele desesperado com a doença e possível morte da irmã!
À noite, o jantar que me serviram era abundante e saboroso! Tive pena do meu colega de viagem, era magro, pálido e tinha uma cara de fome, convidei-o a jantar comigo. Tive o cuidado de dizer-lhe que era necessário deixar um pouco para o nosso pequeno-almoço do dia seguinte. Mas ele tinha outras contas a fazer, pois aquela era a primeira refeição do dia e, portanto comeu com apetite! Chegou outro catequista, também ele com fomes atrasadas! Conclusão, o que era muito para mim, foi pouco para quem tinha muita fome! E o pequeno-almoço do dia seguinte foi comido no jantar daquele dia!
O programa era claro. Partida às 5.30. Fazer uma primeira etapa de 20 km. Parar para celebrar a Missa e depois continuar por mais 15 km até Guludi. Levantei-me cedo e esperei pelo catequista que só chegou perto do 7.00 horas! Partimos com uma mochila.
Os primeiros 10 km caminhei com precaução para não despertar a entorse do pé. Depois, foi caminhar e puxar pelo corpo até ao limite. Aos 15 km encontramos um jovem que vendia ananás e sumo de palma (mais ou menos como o mosto de uva). Cada um tomou um copo de deste mosto denso e açucarado, dividimos o ananás delicioso e suculento e continuámos estrada, saboreando o nosso pequeno-almoço num ambiente de sonho!
Antes do meio-dia chegamos à capela, onde estava prevista a celebração da Eucaristia. Os cristãos esperavam-nos no meio de muita alegria e certa incredulidade. Enquanto descansava, fizemos um conselho de capela (notícias da capela, dificuldades encontradas). Depois da missa almoçamos e continuamos caminho, eram as 14.30 horas e tínhamos ainda três horas de marcha forçada para completar os 15 km de floresta e savana. Chegamos às 17.30 horas, pouco antes do anoitecer.
À entrada da aldeia havia um grupo de crianças que nos esperavam. Um deles precipitou-se, abraçou-me, apanhou a minha mochila e correu levar a boa notícia da nossa chegada. Pouco depois ouvimos o som do tambor que anunciava a chega do missionário.
Foi uma recepção comovente – todos queriam cumprimentar-me, abraçar, desejar as boas vindas. Um senhor cego, que se deu conta da nossa passagem, veio apressado e quase bateu num tronco de árvore, antes de ser ajudado.
 Ali ficamos sábado e domingo. A Eucaristia do domingo foi uma grande festa, pois há um ano que não tinham missa.
Na segunda-feira, bem cedo retomamos o caminho do regresso, mais 35 km! O catequista amanheceu com uma grande dor de cabeça, no centro de saúde local não havia nem uma aspirina! Por sorte eu tinha algumas aspirinas e, o mais importante, uma cura anti-malária. Ele tomou tudo e partimos.
A meio caminho dei-me conta que eu tinha uma bolha da água num pé. Tentei resolver o problema com um pouco de algodão, não deu resultado. Ignorei-a e a dor era suportável.
Paramos, ainda, para rezar numa capela a 10 km da nossa meta. Foi um momento de repouso e de restaurar forças com um bom almoço. Os últimos quilómetros foram muito difíceis para o catequista abatido pela malária. Ele queixava-se “não posso mais!” Eu, que ia à frete e comandava a caminhada, encorajava-o e mantinha a passada larga e rápida. Parar seria fatal. O corpo quente suporta melhor a dor.
Finalmente chegamos onde tínhamos deixado a mota. Ele tinha chegado à casa e tinha encontrado a irmã ainda com vida. Eu tinha ainda 40 km, mas de mota, antes de chegar à minha casa. Durante a estrada fui presenteado com uma grande chuva, coisa rara nesta época. Uma pequena árvore caída na estrada  atrasou-me ainda mais.
Cansado ao extremo, molhado até bem dentro, mas feliz, cheguei á casa ajudado pelos faróis da mota.
No dia seguinte, a bolha de água tinha-se tornado numa pequena infecção que me impedia de caminhar normalmente, mas não impedia a actividade normal do dia-a-dia!

Bambilo (Bondo), R. D. Congo 30 de Janeiro de 2014 


Natal na floresta

O dia de Natal entre um pneu furado e um catequista demasiado preocupado.

Depois de um Advento cheio de viagens para visitar todos os cristãos, fui celebrar a noite de Natal numa capela a 40 km e a missa do dia, noutra capela, no caminho de retorno. A missa do galo  foi uma festa grande e longa, pois há cerca de 10 anos que não tinham missa de Natal.
De manha, levantei-me com o canto do galo, o corpo dolorido, pois dormi numa esteira, mas tomei uma boa taça de café quente e perfumado que nem dei pela falta do açúcar. Arrumei o saco na mota, o nosso meio de transporte e, surpresa, um pneu estava vazio! Enchi-o e parti para celebrar a missa do dia de Natal. Na capela de destino não encontrei ninguém e voltei para trás e para celebrar numa capela a 10 km. O tambor anunciou a joiosa surpresa e os cristãos precipitaram-se para participar na grande missa de Natal.
Eu porém tinha outro problema, o pneu da mota estava furado! Nós viajamos sempre com o material necessário para reparar pequenas avarias e encontra-se sempre um habilidoso que sabe o necessário para nos tirar dos apuros. Infelizmente, naquela aldeia não havia nenhum habilidoso! Ainda pior foi descobrir que faltavam os ferros para desmontar o pneu e tirar a câmara de ar. Para um trabalho relativamente simples, tive que usar dois bocados de ferro impróprios o que me custou um grande esforço, um dedo esfolado e muito tempo de trabalho. Tirei a velha câmara-de-ar e substituí-a por uma das novas, tinha duas. Mais um grande trabalho para o recolocar o pneu. Tudo feito tentei atestar, mas havia uma fuga de ar. Tive que desmontar novamente o pneu e descobri que a válvula estava descolada, portanto uma câmara-de-ar defeituosa!
Tinha de refazer todo o trabalho! Entretanto chegou o velho e sábio catequista sempre simpático e tranquilo. Daquela vez, porém, estava muito aborrecido e falava com voz forte. Queixava-se agressivamente de duas coisas. 
Primeiro, como podia o padre vir à sua capela sem o avisar? Quem iria preparar de comer? Digo-lhe, continuando o meu trabalho, que normalmente é o padre que se aborrece com o catequista, desta vez é o contrario. As pessoas acharam graça, ele, porém continuou; como é possível que eu não conheço a sua capela, pois tinha passado de manhã e depois voltei para trás!
Terminei todo o trabalho, remeti o pneu no seu lugar, a mota estava aparentemente pronta. Mas, ao verificar, o pneu estava outra vez vazio! Nem quis acreditar, com os ferros tinha rompido a câmara de ar nova, tinha que refazer tudo de novo! Mais de duas horas de trabalho inútil!
Deixei o trabalho para depois da missa, pois todos me esperavam pacientemente. O catequista queria que eu tomasse banho, pois estava completamente encharcado de suor. Disse-lhe que bastava lavar a mãos cheias de óleo e terra. A sua nova preocupação era o sabão, que, naturalmente não tinha. Esfreguei as mãos com erva. Quando a água tocava o dedo ferido arrepiava-me de dor, o catequista repreendia-me dizendo: “sabe-se que a água na ferida dói!”
Ainda antes de começar a missa, o catequista veio ter comigo muito preocupado; havia muita gente para confessar, precisaria de pelo menos uma hora, disse ele. Disse-lhe que no Natal todos têm o direito de receber os sacramentos. Com várias horas de atraso, começamos a missa de Natal. A alegria é enorme, mas o catequista continuava de mau humor. Interrompia a coral que prolongava os cânticos, apressava as pessoas que, dançando participavam no ofertório. Ele repetia “O padre tem um longo caminho antes de chegar à casa! “O padre non pode passar a noite aqui!”
A missa terminou, mas a festa não parou. Cumprimentei as pessoas e voltei a fazer todo o trabalho para desmontar o pneu, pela terceira vez! Ao recolocar a câmara-de-ar refeita com cola da floresta, o pobre catequista repetia angustiado “padre, por favor, tenha cuidado, não a rompa outra vez!”
Sim da terceira foi de vez! A mota estava pronta! Alguém tinha trazido comida, comi bem e regressei sem dificuldades.
Cheguei à casa bastante antes de o anoitecer, mas demasiada tarde para o prometido jogo de futebol com os jovens. Deveríamos estrear uma bola nova! Eles foram compreensivos e marcámos o jogo para o primeiro do ano.


Bambilo, Natal de 2013
O missionário e o computador

Um bom missionário não é necessariamente um especialista em computadores

Lembro-me, quando há anos, um jovem missionário chegou ao Congo (então Zaire) com um computador portátil. Os missionários atónitos, perguntavam-se se não era um luxo exagerado, outros não compreendiam o que se podia fazer com um aparelho tão sofisticado.
Hoje, duas décadas depois, o computador faz parte da bagagem de qualquer missionário e, junto com uma impressora, é parte obrigatória da mobília de todas as missões. Mas foi o aparecimento da internet que tornou o computador indispensável em todas as comunidades.
Até os velhos missionários, normalmente pouco abertos às novidades tecnológicas, fizeram um grande esforço e adaptaram-se anos “novos tempos”. È verdade que muitos deles sabem apenas o necessário para enviar e receber e-mails.
Como é sabido, aqui em Bambilo, a internet ainda não chegou, nem tem data marcada para chegar. Para facilitar a comunicação, instalei o Outlook.  È um programa simples e duma grande utilidade pois reduz significativamente o nosso isolamento. O inconveniente é que o computador, tem que ir e voltar , numa viagem de 300 km, no meio de tantos riscos.
Quando passei pela cidade, tive o cuidado que explicar ao meu colega missionário como tudo funcionava. A semana passada, mandei o computador com 28 mensagens prontas para serem enviadas. Bastava ligar o computador e clicar no ícone certo. As mensagens são enviadas e, as que estão na caixa de entrada, são descarregadas para o computador.
 Tudo simples e maravilhoso!
Acabo de receber o computador. É uma alegria enorme! Tenho correio!
Abri o aparelho bem embrulhado e isolado para o proteger contra choques, a humidade e a poeira. Liguei-o e espero alegre e ansioso como uma criança que abre o presente de aniversário! Enquanto o computador se acende, leio o bilhete que o meu colega escreveu, à mão.
 “Caro Fidelino, o teu computador não está configurado para a internet.
É preciso um CD ou um programa especial, infelizmente não o temos!
Veremos o que podemos fazer.”
Nem quis acreditar!
As mensagens não partiram! E a caixa de entrada está vazia!
O que aconteceu é simples de explicar. O meu colega de 75 anos de idade e 50 de África, não é um grande especialista em computadores. De facto, ele conseguiu acender o computador, mas esqueceu-se de ligar o botão da internet sem fios.
Neste computador o botão em questão  está bem á vista. Além disso, quando apagado, é vermelho, basta um toque ele fica azul e tudo funciona por si mesmo.
O que faltou, meu caro colega missionário, não foi um CD vindo não sei donde, nem um programa complicado, nem uma configuração reservada aos especialistas em informática, nada disso! Faltou um toque suave, num botão vermelho que se tornaria azul e conectava o computador ao mundo.
Se, você, caro leitor, está a ler esta mensagem, quer dizer que o santo missionário tornou-se um pouco mais especialista em computadores e, daqui para a frente, manter-nos-á, periodicamente, em contacto.

Bambilo (R.D. Congo), 21 de Outubro de 2013
A pequenina Beatriz

História de uma bonita menina que a malária não deixou viver

Estou de volta à minha missão, bem no coração da África. Depois de umas longas férias, já tinha saudades destas florestas densas e ricas em caça e dos rios numerosos e generosos em peixes.
Mas, naturalmente, tinha saudades sobretudo desta gente alegre e acolhedora e das crianças, nossas amiguinhas preferidas.
Nestes primeiros dias, as pessoas vieram cumprimentar-me, perguntar pela família (pergunta obrigatória) e manifestar a alegria por me ver de volta. Alguns dizem – “estávamos com medo que não voltasses mais!”
No primeiro domingo, depois da missa, as crianças vieram cumprimentar-me. Vinham aos bandos, apressadas e risonhas, as mãozinhas estendidas, os olhos cheios duma felicidade enorme e as bocas cheias de risos, como se fossem as crianças mais felizes do mundo.
Cumprimentei todos, as vezes, agarrando várias mãozinhas duma vez. Deixo-me envolver e levar por esta onda de alegria e entusiasmo.
Depois pergunto pela Cristina e pela Bea (diminutivo de Beatriz). Eram duas meninas lindíssimas, vivas e irrequietas como um passarinho e muito inteligentes nos seus quatro aninhos de idade. Elas viviam mesmo ao lado da missão e as suas mães eram as responsáveis pela escola de corte e costura da paróquia. Por isso a Cristina e a Bea passavam horas sem fim junto connosco. As vezes, comiam connosco. Estranhei que não tivessem vindo dar-me as boas vindas.
“A Cristina, já não está aqui, foi com os pais para uma grande cidade”, responderam as crianças. È a realidade do nomadismo interno, muito comum neste enorme país.
“E a Bea, para onde foi?”perguntei eu curioso. Os rotinhos alegres fecharam-se um pouco e disseram, sem saber o peso das palavras – “A Bea morreu!
Para mim foi um choque, como para todos os que um mês antes a levaram ao cemitério. As pessoas amam a vida e toda a morte é uma tragédia, mas a morte duma criança é a maior desgraça que se pode abater sobre uma família.
A pequena Beatriz tinha morrido de malária, a doença terrível que mata milhares de crianças africanas. A malária ou paludismo é uma infecção provocada pela picada dum mosquito. Se a pessoa não for imediatamente medicada, pode morrer em poucos dias. A malária é especialmente perigosa para as crianças até aos 4 ou 5 anos.
O drama é que há remédios disponíveis contra este flagelo e nem são caros. Mas as pessoas, na sua ignorância e, as vezes, na miséria estrema, não compram os remédios e deixam estar o doente e esperam que a doença passe. Um adulto pode resistir às altas febres da malária, as crianças são as vítimas privilegiadas e indefesas desta maldição que assola a África há milhares de anos.
Queremos constituir um depósito de medicamentos, a bom preço, para fornecer os pequenos centros de saúde desta zona.
Iniciamos a construção dum novo e grande centro de saúde, aqui no centro da missão.
Acabou de chegar uma enfermeira bem formada que habita permanentemente aqui.
Esperemos que todas estas iniciativas dêem fruto e que reduzam em muito a morte das nossas crianças, a maior riqueza deste grande país.
Bambilo, 15 de Outubro de 2013



NB. Podem ter mais notícias minhas em  missaonocongo.blogspot.com
Uma viagem sofrida
A viagem de mota de Kisangani a Bondo.
2 – A via-sacra


Ao meio-dia parámos para descansar e comemos num dos muitos  “restaurantes” que existem ao longo da estrada. Eu comia sempre coisas seguras – arroz branco com uma pasta feita de folhas de mandioca e óleo de palma – tudo fresco e bem cozidas e bebia da água potável que levava.
Pouco depois do almoço, chegamos ao fim da estrada boa, entrámos nas estradas normais do Congo.
O primeiro dia estava a chegar ao fim, e jantamos num outro restaurante. Desta vez não encontrei as folhas de mandioca e foi-nos oferecido um prato de arroz com um bom bocado de carne de macaco. Perguntei se era fresca, disseram-me que sim. Uma grande mosca que seguia o prato fumegante deixou-me sérias dúvidas. Cheirei e não descobri nenhum odor entranho. Foi o grande apetite (não fome) que decidiu. Comi e estava delicioso! No dia seguinte a barriga queixou-se e deu razão à mosca! A carne estragada estava bem disfarçada num bom molho de tomate apimentado. Felizmente a floresta era grande e a nossa casa aproximava-se cada vez mais!
A noite surpreendeu-nos numa grande aldeia. Procurei a capela católica e dormi na cabana do catequista. Passei uma noite feliz!
No dia seguinte, partimos com o cantar do galo. Depois de algumas horas de viagem, chegamos a uma ponte, longa uns 20 metros. Dos quatros troncos originais, restavam somente dois e, infelizmente, não muito largos. O que fazer para atravessar? Tratava-se de escolher um dos dois troncos, praticamente iguais. O chofer segurou no volante e caminhou, um pé diante do outro, ao lado da mota, em cima do tronco. Ele tinha os pés dum lado do tronco e os pneus da mota do outro, mesmo no limite, bem na beirinha. Era uma posição extremamente perigosa que exigia uma grande concentração e um equilíbrio de malabarista. Eu ia atrás, com os pés bem assentes no meio do tronco. Segurava a mota com mão firme, equilibrando e empurrando lentamente. A passo de formiga, chegámos ao meio, onde o tronco era um pouco irregular e estreitava perigosamente. Eu chamei-lhe a atenção para o pneu dianteiro que arriscava de cair. Houve um momento de hesitação, ficamos parados, como que bloqueados. Dos dois lados era o vazio. Lá no fundo a água corria violenta e ameaçadora! Era como se estivéssemos suspensos em cima duma corda, onde um falso movimento nos projectaria no vazio!
De repente, dissemos, ao mesmo tempo num grito de desespero e coragem: “Vamos para frente!” Ele endireitou ligeiramente o pneu, eu dei um empurrão suave e decido, a mota avançou direita e segura.  Num abrir e fechar de olhos, estávamos no outro lado, bem seguros em terra firme!
Parámos um bocado para respirar fundo e recuperar da forte emoção. Aquele foi, de longe, o momento mais perigoso e emocionante da viagem. Afinal o perigo nem era muito, pois todos os dois sabíamos nadar!
Um outro rapaz contou-me que ao atravessar a mesma ponte, pediu ajuda a um senhor. Chegados ao meio, o senhor entrou em pânico e começou a gritar descontroladamente. Foi a coragem do rapaz que repreendeu violentamente o senhor e o mandou empurrar a mota para terra firme.
Esta é a pior época para viajar, há muita água, em certos lugares inundações. Nos locais mais difíceis, os viajantes ajudam-se uns aos outros. Sempre que possível, eu aproveitava para tirar algumas fotos. Os jovens com as motas bem carregadas, pediam – “Faz-nos uma foto, mostra aos teus irmãos e conta o nosso sofrimento!”
Eu sabia que as pessoas da Europa (os meus irmãos) não conseguem compreender os sofrimentos causados por estradas impraticáveis que ultrapassam toda a imaginação. Que podia dizer-lhes? Estávamos na mesma estrada, partilhando os mesmos sofrimentos. Algumas vezes ajudava a empurrar as suas motas e dirigia-lhes palavras de coragem e animava-os a continuarem viagem.
Interiormente, repetia convencido – “Temos passados diferentes, mas o nosso futuro será igual”. A que distância está este futuro? Não sei! Mas, um dia, esta gente (os meus irmãos africanos) terá uma vida digna e humana.
A Bondo, descansei dois dias, depois, com um colega, partimos para os últimos 150 km que nos separavam da nossa missão de Bambilo. Viajámos num velho jipe. Pela estrada, parámos uma dezena de vezes para cortar árvores que bloqueavam a passagem.. Estávamos preparados com uma motosserra e catanas.
O último obstáculo, a 10 km de casa, era uma grande árvore oca que escondia um ninho de formigas vermelhas cuja mordedura é como uma picadela de agulha. Estávamos cansados, mas a proximidade da nossa meta deu-nos coragem e as formigas raivosas apressaram-nos. Trabalhámos com vontade e, em pouco tempo, abrimos a estrada!
Chegamos, à noitinha. Os nossos dois colegas esperavam-nos de braços grandes abertos e com um sorriso rasgado e acolhedor.
Depois de tanto viajar, tinham sido quase duas semanas, tinha chegado à casa e apeteceu-me dizer com os ingleses “Home sweet home! – Casa doce casa!”

Bambilo, 10 Outubro 2013

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Uma viagem sofrida

A viagem de mota de Kisangani a Bondo.
1 - Uma estrada cheia de perigos

A minha viagem de regresso á missão foi feita em duas etapas. Já vimos a primeira da Europa até Kisangani, cidade no Nordeste do Congo. Falemos da segunda parte que me conduziu até Bondo, perto da Republica Centro Africana, uma distância de mais de 500 km.
Estas viagens longas e difíceis exigem uma boa preparação, muitas coragem e, o mais importante, muita fé em Nossa Senhora da Boa Viagem!
Fiz a viagem com um jovem que ia entregar a mota, apenas comprada, ao seu irmão que vive em Bondo. Digamos que apanhei uma boleia. Os preparativos começaram no dia anterior. Comprei 22 litros de gasolina, comida, caso fosse necessário, (pão e sardinhas em conserva), 5 litros de água potável e dinheiro no bolso. Este seria indispensável para passar as inúmeras barreiras. Nestas estradas, os polícias e os militares bloqueiam a via com uma longa cana de bambu. O objectivo é controlar o trânsito e verificar os documentos. Na realidade, eles pretendem um pouco de dinheiro para comer, ou, como dizem – “dá-nos o nosso café!”
A viagem começou de manhã, muito cedo. Atámos bem os cerca de 50 kg de bagagem. Deixamos uma parte do assente para mim, o chofer sentou-se em cima do depósito da gasolina. Vestimos um bom casaco para nos proteger do frio matinal e das possíveis quedas e serviria também como agasalho para passar a noite. Metemos um capacete na cabeça, botas nos pés e luvas fortes nas mãos. Fiz uma oração, que continuou durante toda a viagem, e partimos!
Mais de metade dos 500 km é uma boa estrada, recentemente reparada. Nestas estradas boas, os perigos são enormes. O maior é o excesso de velocidade e o desrespeito total pelo código da estrada. Cada condutor ocupa a melhor parte da via, sem pensar que, a todo o momento, pode aparecer alguém no sentido contrário. Aqui reina a lei do mais forte – o veículo mais pequeno tem de deixar passar o maior.
Estas grandes e importantes vias de comunicação são muito movimentadas. Há, antes de mais, os camiões enormes com remoque que são os reis da estrada, depois, os carros ligeiros sempre apressados, em seguida, as motas carregadas até ao extremo que correm como flechas, finalmente as bicicletas lentas como caracóis que transportam de tudo. Há que contar ainda com as pessoas que caminham desordenadamente e, o grande perigo, os animais domésticos (sobretudo cabras e porcos) que circulam livremente nestes grandes espaços livres. Muito raramente se encontram animais selvagens, que, na verdade, são cada vez ais raros.
A apenas 50 km da partida tivemos um acidente, felizmente sem gravidade. Eu já tinha observado que o rapaz corria veloz, mas controlava muito bem a mota. Corríamos a grande velocidade, apareceu uma curva fechada que precedia uma descida, ele desviou-se duma cabra que atravessava a estrada, perdeu o controlo da mota. Fomos projectados com violência para dentro da valeta. O capacete livrou-nos do pior! Eu fui o primeiro a levantar-me. Não tive dificuldade em tirei a perna que tinha ficado presa debaixo da mota, junto do cano de escape. O corpo estava intacto, apenas uma dor no pescoço, sem consequências.
 O meu colega continuava estendido com a mota por cima. Pedi ajuda às pessoas que acorreram curiosas e preocupadas, tirámos o chofer e endireitámos a mota. O violento impacto tinha partido toda a parte dianteira da mota. A carga estava segura, os dois bidões de gasolina intactos. O bidão da água estava rasgado na parte superior, mas ainda recuperamos uma parte. O chofer estava bem, mas triste como a noite. Olhava para a mota semi-destruída e lançava suspiros de desespero. O irmão tinha-o mandado buscar uma mota nova, ali estava uma mota meio destruída.
Eu queria voltar à cidade para concertar a mota e recuperar do choque. Ele preferiu continuar viagem. O motor, os pedais e tudo o resto estava em bom estado. Continuámos a viagem. Mas, a partir daquele momento, era eu que, sentado atrás, comandava. Dezenas de vezes, tive de dizer-lhe para reduzir a velocidade, para ocupar a sua direita, para fazer atenção a uma curva ou, mesmo, para sair fora da estrada e deixar passar um carro apressado. Na verdade, nos dois dias de viagens não tivemos o mínimo acidente. Bem, sustos e dores de barriga não faltaram! (A continuar)