sábado, 29 de setembro de 2012

Como eles se amam !




A vida quotidiana dos missionários a Bambilo



A vida missionária, como toda a vida religiosa,  é vivida em comunidade. Jesus enviou os discípulos « dois a dois » para se ajudarem mutuamente e, sobretudo, para testemunharem o  mandamento do AMOR.
A ajuda fraterna,  partilhar o trabalho, enfrentar juntos as dificuldades e celebrar os momentos de alegria é o fundamento da vida missionária. Por outro lado, o anúncio do Evangelho, mais do que palavras ditas na igreja onde a maior parte das pessoas não as ouvem, é uma questão de testemunho. É a vida concreta dos missionários, a maneira como se relacionam e como vivem entre eles que demonstra a validade do Evangelho que anunciam.  As palavras que se ouvem, passam e esquecem-se o que vê,o testemunho, fica e deita raízes.
Nós fazemos todo o possível, para que esta nossa comunidade seja um lugar onde o Evangelho é anunciado com palavras, mas sobretudo com obras e com o exemplo
Somos uma comunidade normal formada de dois padres e um irmão. Já nos conhecíamos há anos, mas é a primeira vez que vivemos juntos.
O mais velho e superior, o P. Lourenço, foi dos primeiros missionários a chegar ao Congo. Em breve celebrará  50 anos de ordenação sacerdotal. Durante muitos anos ele trabalhou na formação de novos missionários   (postulantes, noviços e escolásticos), foi provincial e agora é um « missionário normal », como ele costuma dizer.
O Irmão António, outro grande missionário da África, tem mais de 40 anos de missão. Ele é carpinteiro de formação, mas aqui não tem mãos a medir, ele faz de tudo. É mecânico, carpinteiro, pedreiro, agricultor, construtor de casas, capelas e pontes. A sua grande paixão é a caça e a pesca.
O nosso dia começa, ainda antes das 5.00 horas da manhã, com bom café preparado pelo Irmão. Depois, na capela, fazemos uma hora de oração pessoal, diante do Santíssimo Sacramento. Às 6.00 horas, rezamos as  oração da manhã (as laudes). Segue-se a missa na igreja com os cristãos. Às 7.15, quando saímos da igreja, já o sol começa a subir no céu. Tomamos um bom pequeno-almoço (normalmente os restos do jantar) e cada um vai às  suas ocupações.
Às 12.30 horas encontramo-nos para um almoço sem pressas.  A parte da tarde costuma ser mais tranquila.  A partir das 16.30 horas, quando estamos em casa, vamos ao rio, aqui mesmo ao lado. Primeiro ajudamos o irmão controlar as redes des pesca que ele deixa no rio,  depois, o P. Lourenço e eu nadamos  livremente naquelas águas calmas e temperadas.
As 18.00 horas, quando o dia começa a declinar, sentados na varanda, tendo como pano de fundo a floresta imensa e silenciosa, fazemos a oração da tarde (as vésperas) e concluímos com o terço. Quando entoamos a « Salve Rainha », já a noite começa a  cair. O dia, começado antes do nascer do sol, diante do tabernáculo, termina com a «Salvé Rainha » num ambiente de maternal serenidade e de paz profunda. Tudo convida ao recolhimento, o sereno entardecer, o silêncio da omnipresente floresta, a temperatura amena  e o corpo cansado que começa a gozar um repouso merecido.
Depois do jantar, sem televisão nem iternet, temos longas conversas, partilhamos o dia, falamos das nossas coisas e da nossa vida,  fazemos comunidade e vivemos o Evangelho.
Por volta das 20.30 Horas, cada um se retira para um  grande descanso noturno.
Quem diz que a vida missionária é difícil ?
Um dia perguntaram-me se éramos irmãos. “Não!", Respondi, "não somos irmãos, somos de países diferentes; porque perguntas ?"        «Porque vocês entendem-se muito bem!», respondeu ele.
Outras pessoas comentam admiradas vendo o nosso estilo de vida: « Vejam como eles se amam ! »
Bambilo, Agosto de 2012

A Missão de Bambilo



Apresentação do meu novo posto de trabalho



Bambilo, exactamente a 3,55 Norte ; 24,45 Este, é uma das vinte paróquias da enorme diocese de Bondo no Norte da República Democrática do Congo. A diocese, quase tão grande como Portugal,  estende-se, a norte, por 700 Km  ao longo da fronteira da República Centro-Africana. A sul é limitada pelo grande rio Uele, um afluente do majestoso rio Congo.
Toda esta região, coberta de densas florestas e centenas de cursos de água,  é uma das mais isoladas (ou preservadas) do país. Tem um subsolo riquíssimo, sobretudo em ouro e diamantes, que são explorados de maneira artesanal. A população, que não chega a meio milhão de pessoas, vive nalguns centros, como Bondo a capital e nos lugares de extracção do ouro e dos diamantes.
Esta zona foi evangelizada, a partir de 1920, pelos missionários Crúzios belgas.  Em poucos anos, estes missionários corajosos, ajudados pelo governo colonial belga, abriram estradas e  cobriram a diocese de grandes construções, igrejas, escolas, hospitais, centros de saúde e casas para a administração e para os funcionários do estado. Os comerciantes portugueses, gregos e belgas chegaram em grande número. A região encontrava-se em plena expansão quando, em 1964, a rebelião dos Simba, como um furacão, espalhou a morte, a destruição e a miséria. Os estrangeiros que não fugiram a tempo, foram barbaramente assassinados. Entre estes estavam 23 jovens missionários Crúzios que foram fuzilados e os corpos atirados ao rio.
Cinquenta anos depois, ainda se nota a influência negativa desses acontecimentos trágicos. Ao isolamento geográfico e ao abandono administrativo, juntou-se, desde há poucos anos outra praga – o LRA (Exercito de Resistência so Senhor ). Um grupode rebeldes ugandeses que, há mais de vinte anos, lutam contra o poder central. Perseguidos pelo exército ugandeses, este grupo encontrou um refúgio seguro nesta região de imensas florestas onde a caça é abundante e a presença do poder central é nula. É deste esconderijo seguro que eles saem para roubar, violar,  matar e raptar crianças que formarão os futuros rebeldes.   
A nível religioso, esta diocese é também uma das dioceses mais pobres do país. Os padres diocesanos são pouquíssimos e os missionários Combonianos, o único instituto religioso presente aqui, são apenas cinco.
Os Combonianos chegaram à diocese em 1973 junto com as missionárias combonianas. Nessa altura encarregaram-se das duas paróquias mais distantes do centro. Com a guerra de 1996, todos os missionários tiveram que abandonar o país. As combonianas nunca mais voltaram, aos combonianos o senhor Bispo pediu para orientarem o centro de formação de catequistas, no centro e para se encarregarem da paróquia de Bambilo, a 150 km do centro, a mais pobre e abandonada de todas.
É aqui, a Bambilo,  que me encontro neste momento. Quando os combonianos chegaram à paróquia, em 1998, existia apenas uma capela de barro e palha e uma pequena comunidade cristão. Durante 10 anos os missionários viveram em palhotas construídas pelos cristãos. Com o tempo, foi construída uma grande igreja e a casa dos missionários. Agora está-se a construir uma escola e está previsto construir também um centro de saúde.
Bambilo é já um ponto de referência nesta zona. A nossa presença é um sinal do Amor de Deus que não abandona o seu povo e um estímulo a trabalhar para ter uma vida mais digna e mais humana.
Bambilo, Agosto de 2012

Aniversário na floresta





A minha primeira visita a um capela no dia dos meus anos



Hoje, 12 de Agosto, levantei-me, como normalmente, antes das 5 horas da manhã, cheguei junto do irmão que já preparava o saboroso café, ele cumprimentou-me primeiro com um « Muitos parabéns ! » Agradeci  e disse que me tinha esquecido do meu aniversário. Ele respondeu   « Tu podes esquecer, mas a tua mãe nunca se esquecerá ! » Dei-lhe razão.
Ainda sou novo no lugar,  há duas semanas que cheguei. Hoje domingo,  saí, pela primeira vez,  para visitar os cristãos duma capela distante. Parti atempadamente, até porque não conhecia a estrada. Cheguei e fui acolhido, como sempre, com grandes manifestações de alegria e entusiasmo. Dei uma volta pela pequena aldeia, visitei alguns doentes  e depois de uma boa hora de confissões começamos a misa.
Durante a homilia que, aqui é uma longa conversa e uma catequese, disse-lhe que este domingo tínhamos vários motivos para celebrar e fazer festa.
Antes de mais,  era a primeira vez que nos víamos. Apresentei-me e recebi a primeira salva de palmas. Em seguida, era a festa do domingo, o dia do Senhor e da santa Missa. Isto ele compreenderam bem, pois há dois anos que os missionários não visitavam a capela. Depois, era a grande festa da Assunção de Nossa Senhora. Aqui no Congo o dia 15 de Agosto não é feriado, por isso a festa é celebrada no domingo mais próximo. Finalmente,  era a minha festa, eu celebrava o meu aniversário de nascimento, outra grande e demorada salva de palmas.
Expliquei-lhes demoradamente o significado da Assunção de Nossa Senhora ao céu em corpo e alma. Disse-lhe que Maria, a nossa muito querida Mãe espera-nos no céu, onde um dia, nós também chegaremos com a alma e com o nosso corpo ressuscitado.
 Por fim, perguntei-lhe se uma mãe podia esquecer o seu filho. Todos disseram que não. Apresentei o meu caso e disse-lhes : « Há anos que deixei a minha terra, a casa dos pais, deixei os irmãos e a minha mãe, sem dúvida que ela já me esqueceu, não é assim ? » Todos responderam com um « NÃO » sonante entre risadas. Voltei a perguntar ; « Mas se um filho abandonou a casa, esqueceu a sua mãe, se um dia ele voltar, a mãe vai abrir-lhe a porta  e vai o acolher? Todos responderam que sim. As mães presentes na capela completamente cheia, apertavam os seus bebés contra elas, como que a provar que o amor de mãe, é como o amor de Deus, eterno e dura para sempre.
Concluímos a meditação/homília/catequese,  contemplando esta nossa Mãe do céu, Nossa Senhora Assunta, que junto de Deus nunca nos  esquece, nós os seus filhos peregrinos nas diferentes estradas desta vida terrena. Ela lembra-se de todos os seus filhos, mesmo daqueles que estão longe, a esqueceram ou se perderam no labirinto da vida. Ela acompanha-nos, intercede por nós junto de Deus e espera até ao dia em que todos os seus filhos se reunirão junto dela para uma vida sem fim.
Depois da missa e duma refeição simples voltei para casa. À noite partimos um bolo de aniversário e tivemos direito a uma cerveja.
Agradeço a Deus mais um ano de vida e penso na minha querida mãe, irmãos, familiares e amigos que, mesmo separados, nunca nos esquecemos.