segunda-feira, 9 de março de 2015

Como é bom os irmãos viverem em comunhão !

O reencontro dos missionários depois de anos de separação

Encontro-me, por algum tempo, em Kisangani, uma cidade enorme e capital  desta Província (a Província Oriental). Acabamos  um grande encontro (Assembleia Provincial) que reuniu a maior parte dos missionários combonianos que trabalham neste país – a República Democrática do Congo
 (ex Zaire).
Viemos de 18 comunidades, espelhadas por todos o país, utilizando todos os meios de transporte disponíveis e possíveis. Os mais afortunados vieram da capital, Kinshasa. Percorreram  2.000 Km confortavelmente senados num avião, numa viagem tranquila e sem história.
No outro extremo, esteve o grupo de veio de Isiro, a mais de 500 km. Chegaram, bem cedo, na manhã do terceiro dia de viagem; vinham atrasados, cansados e com muito para contar.
Tinham saído de casa, bem cedo, num carro alugado e pensavam chegar no mesmo dia. Feitos apenas 10 Km, deram-se conta que o carro era velho e o motor remendado. Ao fim do primeiro, tinham percorrido apenas 120 km, faltavam ainda cerca 400 km!
Abandonaram o carro e apanharam um outro que avariou 50 km depois. Trocaram o carro por motas e chegaram à  estrada principal, que liga Kisangani ao resto do país. Esperaram, todo o dia seguinte, um carro para Kisangani que nunca chegou. A um certo momento, um carro com ar conhecido, parou diante deles. Era o primeiro que tinham abandonado no dia anterior!
O chofer sorridente e confiante, garantiu que o carro tinha sido bem reparado, com peças originais, e que chegariam ao destino sem dificuldades. Os missionários não tinham escolha!
Efectivamente fizeram os últimos 250 km sem avarias, mas viajaram durante toda a noite.
O resto dos missionários vieram como lhes foi possível e chegaram quando puderam.
Eu fui dos que vim de mais longe, 700 km, em apenas três dias, utilizando o meio mais fácil – a mota - e cheguei antes dos outros .
A chegada dos missionários, foi um momento digno de ser filmado. Vinham cansados, sujos, cheios de sono (e com vontade de comer) mas com uma alegria transbordante.
Eram barulhentos e felizes como crianças, abraçavam-se como adolescentes e contavam histórias como as tiradas  dos livros de aventuras. Era uma  felicidade enorme encontrar amigos que, hã anos,  não se viam.
Uns chegavam de manhã, bem cedo, outros debaixo do sol abrasador do meio do dia e, outros ainda, bem no meio da noite. Todos eram recebidos no meio de grandes gargalhadas, abraços apertados e palavras sem fim.
Nos dias  seguintes, os espaços livres, foram enchidos com longas conversas.  Perguntavam-se novidades das missões por onde tínhamos passado, das pessoas amigas que lá tinham ficado.
Houve tempo para conhecer os últimos chegados e contar o trabalho que se faz.
As reuniões foram ricas de conteúdos. Houve tempo para rever o passado, analisar criticamente o presente e programar o futuro com alegria entusiasmo e muita fé.
No fim de uma semana de reuniões, todos tinham pressa de voltar à sua missão. Partiam , Individualmente ou em grupos, sem algazarra, quase em silêncio, mas com o coração cheio e as baterias carregadas de entusiasmo missionário e zelo pastoral.
A viagem de regresso foi outro aventura que será contada noutra ocasião, quando nos encontrarmos de novo. Daqui a quantos anos?
Fidelino

Kisangani (R. D. Congo), 27 de Fevereiro de 2015

domingo, 8 de março de 2015

A MISSÃO CONTINUA

Os efeitos da guerra na Republica Centro-Africana

Encontro-me actualmente no país vizinho, a Republica Centro-Africana. Fica só a 200 km de Bondo a cidade mais próxima de Bambilo, onde vivo.
Tive uma ocasião e aproveitei para ver o bispo local que é um missionário comboniano espanhol. A estrada é  boa, mas  assim precisamos de 10 horas de viagem para fazer 200 km!
Desde há dois anos, este país vive uma terrível guerra civil. A intervenção  internacional conseguiu acalmar um pouco a confusão, mas a paz ainda esta longe.
Os comerciantes hesitam antes de fazer novos investimentos, as pessoas vivem aterrorizadas pelo passado recente e têm medo do que posa ainda acontecer, a inseguranças é generalizada e o trabalho de reconstrução avança timidamente.
Aqui, nestas terras africanas, a  situação repete-se, vezes sem fim -  um tem o poder, outros querem conquista-lo e desencadeiam a guerra. Durante o tempo de guerra ,os homens armados, tornam-se bestas ferozes e, com as armas na mão, ódio no coração e a cabeça vazia, tudo é possível. A primeira coisa que  fazem, neste estado de confusão total,  é  roubar, violar, matar e destruir.
 Aqui, nesta cidade fronteiriça, milhares de pessoas atravessaram o pequeno rio que divide os dois países, e refugiaram-se no Congo. O interessante, é que, há poucos anos, foram os congoleses que se refugiaram nesta cidade.
Foram especialmente atingidas as igrejas e as comunidades religiosas. Estes rebeldes tinham um ódio especial por tudo o que é cristão. Uma comunidade de irmãs contou-me os momentos de terror por que passaram. Foi o medo que as fez correr mais rápido que os bandidos armados que as perseguiam a poucos metros de distância. A floresta acolhedora e a gente amiga protegeram-na durante uns dias, até o furacão da violência e da destruição passar.
O bispo  local, que na altura estava na capital, distante de 700 km, veio apressado e com a sua influência conseguiu calmar a situação e pedir tropas para proteger a população e os bens que restavam.
Agora a situação está sob controlo das tropas das Nações Unidas. Tudo está calmo, mas as pessoas estão traumatizadas e temem que a situação se repita.
Nesta situação, a vida  recomeça timidamente, até porque tudo o que tinha valor foi roubado ou destruído. Nem um meio de transporte ficou em toda a cidade. Apenas duas pequenas  motas das irmãs, que foram escondidas a tempo, escaparam.
O Senhor bispo, homem corajoso e determinado, que é bem conhecido no estrangeiro,  tem pedido ajuda internacional. O hospital já funciona quase normalmente, todas as escolas voltaram ao normal e já chegaram alguns carros que animam a pequena cidade.
As pessoas aqui viviam melhor que no Congo e o país é melhor organizado. Apesar desta guerra civil destruidora, o país tem possibilidade de retomar o ritmo antigo.
O missionário é um enviado de Deus;  é Ele que nos guarda e cuida. Assim estamos sempre seguros e em boas mãos.  Neste  ambiente desumano, onde a barbárie parece reinar, os missionários ainda têm muito para fazer.
Portanto, a missão continua e as forças e coragem ainda não se esgotaram!
Fidelino

Bangassou (República Centro Africana), 28 de Janeiro de 2015.
O P. Victor II

A sorte protege os audazes

 Já conhecemos o nosso  grande missionário. Sabemos da sua viagem à Kisangani para exames de controlo da hepatite. A viagem até Kisangani e o exames médicos correram bem, graças a Deus. Como ele diz, ele tem uma saúde de ferro, mas os médicos querem, a cada momento uma  confirmação!
Ele tinha outro segredo bem guardado – tinha perdido, nos últimos tempos,  a vista do olho esquerdo. Esperava a sua ida  a Itália para se curar. Como ele dizia, não valia a pena abandonar a missão “por uma coisa de nada”!
Foi um acidente que o obrigou a revelar o seu segredo. De facto, um ramo de árvore, tirou-lhe, por momentos, a vista direita e ele ficou sem ver. Foi ao médico e o prognostico foi espaventoso - o p. Victor tinha uma infecção grave nos olhos. Um estava praticamente perdido e o outro já estava infectado!
Os superiores foram informados e aconselharam-no fortemente a partir imediatamente para a Itália. Era o pior que lhe podia acontecer! Ele ia deixar a missão quando nos preparávamos para celebrar o jubileu de ouro da fundação da paróquia. Desde há um ano que se preparava esta festa!
Triste como a noite, mas obediente como uma criança, ele partiu para Kinshasa, onde apanharia o avião para a Europa. Mesmo assim continuava dizendo “são decisões precipitadas de superiores jovens e demasiado preocupados”. Ele referia-se ao jovem provincial do Congo. Este respondia dizendo que “A saúde é um dom de Deus e uma responsabilidade do missionário” e  “Um bom missionário constrói-se a partir dum corpo saudável!”
Enquanto esperava o avião, o missionário foi a um hospital bem apetrechado da capital. Fez exames  completos e com aparelhagem moderna.
Resultado inesperado! Tinha, na verdade, uma infecção nos olhos, mas não era grave! O problema era uma catarata secundária, no olho esquerdo, que lhe tapava a vista. No dia seguinte foi operado,  com raios lazer.  Dois dias depois, o nosso missionário podia voltar para a sua querida missão, completamente curado!
Ele estava feliz como uma criança, tinha recuperada a vista, que pensava para sempre perdida, via o mundo com os dois olhos, evitou uma longa viagem à Europa e, sobretudo, voltava a tempo para a grande festa da missão que ele tanto ama!
Afinal, os superiores, mesmo se jovens, as vezes têm razão!
Para mais, sabemos que aquele que obedece faz sempre a vontade de Deus!
 Fidelino

Bondo, 12 de Agosto de 2014
UM GRANDE MISSIONÁRIO

Retrato de um missionário apaixonado pela Missão

O Padre Victor é um missionário italiano com uma inteligência de génio e uma memória de biblioteca. Ele sabe muito de quase tudo. Nos longos serões da nossa comunidade  ele pode falar, tempo sem fim, duma maneira profunda, sábia e completa dos mais diversos temas. Escreveu vários livros sobre a África e as missões. É um homem forte, mede 1,80 m, tem uma resistente e infatigável, um entusiasmo e força interior inesgotável.
O p. Victor completou este ano 70 anos e desde os 26 que vive na sua querida e amada  África.
Mas o que o torna conhecido e notado  é a sua força de trabalho, a capacidade de imaginar coisas novas, um amor sem limites à Missão, uma generosidade sem medida e uma doação total às pessoas, sobretudo os mais pobres e desprotegidos.
Quando ele era jovem, foi expulso, com outros missionários, do Ruanda.
Aqui, em Bambilo, onde leva 6 anos, ele é a alma e o coração da Missão.
Tem mil projectos  para realizar, quer estar em todos os sítios ao mesmo tempo e sofre por não poder salvar todos de todos os males ao mesmo tempo e imediatamente!
Quando lhe dizemos para descansar, andar mais devagar (mesmo a conduzir a mota), ele diz que tem pressa, pois restam-lhe poucos anos vida a consagrar à  Missão!
Defeitos? Sim, o P. Victor ainda não é santo! Tem dois grandes defeitos. Antes de mais, descuida a sua saúde até pôr em risco a sua vida. Outro defeito incorrigível – ele dá tudo o que tem! Ele diz que durante as férias nem um café toma, para poupar, para a missão;
mas aqui, dá tudo, mesmo a roupa pessoal!
Quando ele vai à cidade, o ecónomo dá-lhe só o dinheiro estritamente necessário. De todas as maneiras, ele volta sempre sem dinheiro!
Pior ainda, ele descuida  a própria saúde. Há dias, ele voltou da visita às capelas meio coxo. Queria esconder uma queda de moto, coisa normal. Tivemos que insistir para que deixasse o  enfermeiro medicar uma perna esfolada e um joelho inchado e ferido.
Outra vez, já há uns anos, uma simples malária descuidada (nós temos sempre uma reserva de  remédios anti-malária), complicou-se terrivelmente. Em fim de vida, foi transportado até ao hospital mais próximo, a 55 km, onde, por sorte, se encontrava um médico que o salvou.
Talvez por ser descuidado,  este valente missionário, sofre de uma forma grave  de  hepatite.
Esteve quase dois anos na Europa para se curar e tem de fazer, cada seis meses, exames de controlo; uma vez aqui no Congo, outra vez na Itália.
Nestes dias ele parte para Kisangani para os exames médcios. Tem uma viagem de 1300 km, ida e volta, a maior parte feito em mota, por estradas que só Deus conhece! Em Janeiro vai à Itália para outros exames mais rigorosos.
Ele, como é natural, fez tudo para evitar estes exames e, sobretudo esta terrível viagem, mas os médicos insistiram e os superiores  confirmaram.
Pode-se dizer que o P. Victor é descuidado, mas obediente!
Fidelino
Bambilo, 28 de Julho de 2014


A cada um o seu Natal

Bom Natal 2014 e Feliz Ano Novo 2015!
 Acabo de celebrar a noite de Natal numa pequena aldeia bem no interior da floresta tropical africana. Recordo ainda o meu primeiro “Natal africano”, celebrado, há mais de vinte anos, a poucas centenas de quilómetros de onde me encontro. A surpresa, a alegria e a emoção foram as mesmas!
Uma felicidade incontrolável, exprimida com cânticos e danças num ambiente de festa total.
 A pequena capela, feita de palha e barro, iluminada somente por alguns archotes, parecia vibrar ao ritmo dos tambores e das melodias de Natal, cantadas a plenos pulmões. Ninguém restava impassível a tanta vitalidade e alegria de viver.
Era uma felicidade transbordante! O corpo e o espírito, que formam a única pessoa humana que somos, alegravam-se e rejubilam em uníssono. Era como se a alegria do coração transbordava para o corpo e a exuberância do corpo aumentava a alegria da pessoa total.
A causa de tanta alegria era a celebração do NASCIMENTO de um menino – Jesus, filho de Deus.
Sim, eu com os cristãos que enchiam completamente a capela, celebrávamos o nascimento de um Deus que se fez homem. É este o mistério grande e incompreensível para a pobre inteligência humana, mas real e concreto para os pobres que têm um pouco de fé. Este nosso mundo massacrado, degradado, injusto e profundamente doente, foi visitado. Deus vem viver entre os seus!
É este nascimento, a chegada deste hóspede divino o motivo de tanta felicidade.
 Há anos, dialogando com um amigo muçulmano, ele dizia-me, convencido e um pouco embaraçado por me ensinar algo de novo. “Vocês os cristãos, dizia ele, celebram a festa do nascimento de Deus. Mas, a verdade é que, essa é uma ideia humana, um grande desejo do homem. Na realidade, continuou ele, Deus nunca deixa de ser Deus! É impossível para Deus fazer-se homem!”
Com o mesmo respeito e amizade, perguntei-lhe: “Deus é todo-poderoso, não é?” “Sim, claro”, disse o meu amigo. “E, continuei eu, se o Deus Todo-poderoso decidisse fazer-se homem, quem Lho impediria?”
 O Natal é a festa do impossível! É graças à omnipotência de um Deus que ama apaixonadamente os homens que o Natal é possível.  Estou feliz de viver com gente que acredita nesta “Paixão” de um Deus que vem partilhar a nossa vida.
É este facto histórico, verdadeiro e real que nós festejamos com uma alegria sem fim.
Não falo (para quê?) da pobreza enorme desta gente que sabe fazer festa total e é capaz de  uma alegria completa.  Sei, naturalmente, que há outras maneiras de celebrar este acontecimento histórico. Todos fazem festa: cristãos mais ou menos convencidos, ateus de todos os géneros, pobres e ricos crianças e adultos.
Para muitos é uma ocasião para fazer uma festa grande, mas um pobre Natal!
Outros ficam-se pelos excessos de comida e bebida e continuam com o coração vazio.
Normalmente, é um dia especial, mas que passa rápido e não deixa recordações para o futuro.
Este dia pode ser acompanhado por um ambiente de festa, música, ornamentação especial, mas não há felicidade.
Os presentes são tantos (e normalmente inúteis) que não deixam ver o Menino Jesus.
Numa palavra, o Natal do primeiro mundo, é, muitas vezes, uma festa mundana onde Deus é convidado. Incrível, como pessoas inteligentes desvirtuaram o Natal! Enchem-se de coisas e não vêem o único importante – a presença do nosso Deus que nos é dado num num Menino.
Tinha vontade de perguntar-te, “Qual é o teu Natal?”
Decididamente, prefiro o “nosso Natal africano”!             
 Boas festas de verdadeiro Natal!
Ano Novo cheio das bênçãos do Menino Deus que veio par ficar.
Um abraço amigo,
Fidelino
Natal de 2014

Bambilo, Bondo RD Congo
Os perigos da floresta

A história de um jovem missionário atacado pelas vespas assassinas

Esta história tem como protagonistas, o calmo Irmão António, caçador exímio e pescador apaixonado, o pacifico padre Lourenço que todos os dias nada nas águas amenas do rio e um jovem missionário, apenas chegado e a população de Bambilo que viveu um drama incrível.
Um domingo à tarde, estavam os missionários no rio, acompanhados pelas numerosas crianças que se divertiam a vê-los, cada um entregue ao seu hobby. O Irmão recolhia os peixes presos nas redes, o padre Lourenço nadava como um patinho e o jovem missionário viajava alegremente dentro duma pequena piroga, acompanhado por crianças.
A um certo momento, quando o irmão e o padre já tinham partido, a piroga do missionário ficou presa a um ramo. Ao tentar libertá-la, despertou um enxame de vespas africanas que se precipitaram sobre os incautos navegadores.
São vários os casos de gente atacada por estes insectos ferozes, há mesmo casos de morte.
O missionário não tinha mãos a medir, queria remar forte para se afastar do perigo mortal. Mas deixava o remo para socorrer as crianças que, picadas, gritavam de dor. Ele mesmo, tentava livrar-se das vespas que faziam dele o alvo principal. Era uma luta desigual e sem esperança!
Entretanto, o Irmão António e o padre Lourenço, alertado pelas pessoas, voltaram ao rio. Deram-se conta da gravidade da situação e mandaram um jovem libertar a piroga.
Chegado à margem, as duas crianças em estado de choque, foram as primeiras a serem socorridas. Felizmente estavam fora de perigo, pois tinham sido bem protegidas pelo missionário. Entretanto, o missionário tinha desmaiado e estava estendido dentro da piroga. Por sorte ele não caiu à água!
O irmão e o padre, ajudados pelas pessoas, precipitaram-se e trouxeram o corpo inconsciente para terra. Tiraram-lhe a roupa cheia de vespas. Ele ficou em fato de banho. Mais parecia um cadáver, pálido como a cera, os olhos virados e uma respiração difícil, forçada e ruidosa.
Untaram-no com óleo de palma e deram-lhe a beber uma boa quantidade deste óleo, que normalmente é intragável, mas que funciona como anti-veneno. Era tudo o que podiam fazer!
O corpo, porém, não reagia! Ele deitava baba pela boca e cada respiro cavernoso parecia ser o último! Todos assistiam impotentes a um corpo que lutava instintivamente, utilizando até ao extremo as últimas forças, para restar em vida. O veneno das abelhas estava a fazer o seu trabalho!
Os dois missionários foram os únicos que nunca se resignaram. O P. Lourenço chorava desconsoladamente. Ele, homem muito sensível, tinha perdido, pouco tempo antes, um irmão o que o tinha feito sofrer muito. Naquele momento, ele benzeu um pouco de óleo e deu, ao seu colega que estava para partir, os últimos sacramentos.
No cúmulo do desespero, com um grito que era uma mistura de raiva, dor, desespero e confiança cega, o padre Lourenço, desafiou Deus: “Senhor, o meu irmão partiu, mas este meu colega tens que o salvar! Eu não o deixo partir!”
Entretanto o irmão e os jovens transportaram o missionário, em fim de vida, para o centro de saúde, que na realidade, são duas cabanas de palha e barro. O responsável, único enfermeiro formado, não estava. Os outros ajudantes viram-se diante de uma situação impossível. Era um caso desesperado para o melhor médico no melhor dos hospitais. O que podiam fazer naquele lugar, gente não preparada e sem remédios?
Às pessoas que vinham curiosas e chorosas, o p. Lourenço mandava-as para a igreja rezar.
Por sorte, um casal de leigos comboniano veio com uma pequena reserva de remédios, guardada cuidadosamente para uso pessoal. Mas o que fazer? No meio da confusão e indecisão, ouviu-se uma voz trémula, mas forte e decidida. Era uma antiga enfermeira, agora meio paralisada por um derrame cerebral que veio curiosa e sentenciou segura de si mesma: “Dêem-lhe todas as injecções que têm!”
Em pouco tempo o corpo inconsciente recebeu uma dezena de injecções! Nem se deram ao trabalho de procurar o bom sitio, era onde calhava, sobretudo nas pernas!
Em seguida, chegou o irmão António com um colchão, pois o missionário estava deitado no chão. Ele também perguntou: “ Já lhe deram cortisona?” Procuraram e, deram-lhe mais uma injecção!
De repente, e sem que ninguém esperasse, o missionário mexeu levemente os olhos e balbuciou “casa de banho!”. Dois jovens apressaram-se e levaram-no nos braços até à floresta. Foi a primeira reacção do organismo à grande quantidade de óleo de palma bebido inconscientemente.
O perigo estava passado! Todos respiraram de alívio e os rostos, tristes e chorosos, encheram-se de sorrisos. O nosso herói ainda levou várias horas para recuperar completamente a consciência. Cada vez que abria os olhos repetia a única coisa que o preocupava: “como estão as crianças?” A resposta era a mesma – “Estão muito bem!” Ele acalmava-se e voltava tranquilamente ao seu sono profundo. A respiração normalizou-se e, de vez em quando abria os olhos atónito e perguntava outra vez pelas crianças. Ainda meio inconsciente, trouxeram-no para casa e deitaram-no na sua cama sob a guarda vigilante do infatigável p. Lourenço.
Às três da manhã, acordou, completamente consciente. Perguntou pela última vez pelas crianças que estavam com ele na piroga e ouviu a narração completa das últimas dez horas em que esteve completamente ausente e, naturalmente não se recordava da nada.
È certo que o nosso jovem missionário foi salvo em extremo. O p. Lourenço que contava e recontava a história, repetia, “Ele (o missionário) já tinha partido! Já estava do outro lado!”
Quem salvou o jovem missionário? O intragável óleo de palma, os muitos remédios dados com desespero, a fé inabalável e teimosa do p. Loureço, o choro e a oração comovente de toda uma aldeia?
Há pouco tempo, na América Latina, morreu um missionário comboniano, picado pelas vespas!

 Fidelino

Bondo, 13 de Agosto de 2014