sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A viagem mais longa

Maboma é um cantinho sossegado na grande floresta equatorial e preservado da poluição moderna. Mas este isolamento privilegiado tem um preço a pagar – falta tudo o que é indispensável para a vida normal (sal, açúcar, gasolina, remédios, hóstias e vinho para a celebração da Eucaristia, etc.). Todos estes bens essenciais  encontram-se a centenas de quilómetros. Normalmente são os comerciantes que os transportam e revendem com grandes margens de lucro.

Um dia pus-me a caminho e fui às compras à Butembo, um grande centro comercial, perto do Uganda e a cerca de 600 km de Maboma. A comunidade pouparia umas centenas de Euros, compraria uma moto nova e visitaria uma missão comboniana recentemente aberta. Fui acompanhado dum comerciante amigo conhecedor destas andanças.

Depois de uma semana tinha compras para todo o ano, uma tonelada de mercadorias, das quais 500 litros de gasolina. O meu colega tinha outro tanto. Iniciamos a viagem de regresso.

Os primeiros 300 km o transporte foi feito por camião, numa estrada razoável; depois, a carga, toda bem embalada em sacos de plástico impermeáveis à chuva, foi dividida em 20 bicicletas. O meu colega e eu tínhamos cada um a sua moto.

A viagem começou da pior das maneiras. A minha moto estava demasiado carregada, as luvas novas apertavam-me os dedos, a embraiagem era demasiado dura e, o pior de tudo, o céu estava carregado sinal evidente de chuva que, de facto não demoraria a cair abundantemente. Eu quis adiar a partida, mas o meu colega opôs-se. Partimos com uma hora de atraso.

À saída da cidade começou uma chuva que nos acompanharia por três horas. A estrada tinha-se transformado num pequeno rio. Eu debatia-me contra a chuva que me molhava completamente e num o esforço e a tensão enormes para controlar a moto que a carga desequilibrava facilmente. Seguia fielmente o meu colega, especialista destas estradas, que, no meio da água, escolhia acertadamente o carreiro exacto por onde passar.

Depois da chuva veio a lama. A poucos metros à minha frente, o meu guia debatia-se num perigoso exercício de e equilibrismo, depois seria a minha vez. As mãos seguravam fortemente o guiador, mantendo a moto no carreiro justo. As pernas tinham a maior parte do trabalho, normalmente ajudavam a equilibrar a moto, mas serviam também para travar e empurrar. Era uma tarefa massacrante, perigosa e extenuante. A faixa de rodagem era reduzida, apenas a alguns centímetros, dum lado e do outro era uma vala profunda deixada pelos camiões que tinham estragado irremediavelmente a estrada.

A um certo momento ouvi uma forte pancada na protecção dianteira da moto e depois uma dor aguda na perna esquerda que me fez ver estrelas. A moto parou sem cair. Era um tronco escondido no meio das ervas, a perna, pelo momento, não guardou qualquer sinal do acidente.

Pela estrada encontramos outros colegas de desgraça, sorríamos desejando-nos boa viagem.

Ao atravessar uma ponte, na verdade dois troncos escorregadios, desci da moto e empurrei-a, escorreguei e fiquei debaixo da moto. Felizmente, ao cair, apertei a buzina e fui prontamente socorrido.

Os últimos 15 km foram peníveis. Todo o corpo estava dolorido, a mão esquerda mal podia apertar a embraiagem e, as pernas, depois de tanto esforço, tinham perdido todo o vigor e a noite, que se aproximava rapidamente, impedia-me de ver claramente a estrada. No limite das forças, concentrava-me completamente na luz traseira da moto do meu guia e seguia-o como um autómato.

Finalmente chegamos à nossa casa. Com um último esforço consegui estacionar a moto, descer e manter-me de pé.

Cada parte do corpo reclamava uma atenção especial. As mãos encravadas restavam entreabertas, as pernas quase não me seguravam de pé, as costas era a parte mais dolorida, pareciam partidas em cada vértebra.

Apesar do corpo massacrado, interiormente estava feliz. Tinha comprimido a minha missão e vencido um desafio muito difícil.

A viagem de 200 km tinha durado treze horas. Foi a viagem mais longa feita com o mais perigoso dos meios de transporte na pior das estradas que se possa imaginar.

Mais tarde descobri que tinha um braço negro, e a perna esquerda inchada e as nádegas em carne viva.

Depois dum jantar rápido tentei encontrar uma posição menos dolorosa para dormir, o extremo cansaço obrigou o corpo a encontrar a o repouso que tanto necessitava.

No dia seguinte, tinha mais de 50 km até chegar a Maboma, a minha casa. Durante as três horas de viagem, já me via chegar a casa, tomar um bom banho, comer alguma coisa, beber um café reconfortante, deitar-me e tentar descansar, todo o dia.

Ao chegar encontrei a casa fechada. O meu colega tinha saído e levado a chave. Embebido em suor, extremamente cansado e sobretudo sedento, tive que esperar até à noite para tomar um simples copo de água.

Depois de uma viagem de quase 600 km, eu era um estrangeiro na minha casa!

A vida missionária é uma maravilha!

Maboma, RD Congo, 10 de Junho de 2011

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