quarta-feira, 14 de maio de 2014

Uma viagem sofrida
A viagem de mota de Kisangani a Bondo.
2 – A via-sacra


Ao meio-dia parámos para descansar e comemos num dos muitos  “restaurantes” que existem ao longo da estrada. Eu comia sempre coisas seguras – arroz branco com uma pasta feita de folhas de mandioca e óleo de palma – tudo fresco e bem cozidas e bebia da água potável que levava.
Pouco depois do almoço, chegamos ao fim da estrada boa, entrámos nas estradas normais do Congo.
O primeiro dia estava a chegar ao fim, e jantamos num outro restaurante. Desta vez não encontrei as folhas de mandioca e foi-nos oferecido um prato de arroz com um bom bocado de carne de macaco. Perguntei se era fresca, disseram-me que sim. Uma grande mosca que seguia o prato fumegante deixou-me sérias dúvidas. Cheirei e não descobri nenhum odor entranho. Foi o grande apetite (não fome) que decidiu. Comi e estava delicioso! No dia seguinte a barriga queixou-se e deu razão à mosca! A carne estragada estava bem disfarçada num bom molho de tomate apimentado. Felizmente a floresta era grande e a nossa casa aproximava-se cada vez mais!
A noite surpreendeu-nos numa grande aldeia. Procurei a capela católica e dormi na cabana do catequista. Passei uma noite feliz!
No dia seguinte, partimos com o cantar do galo. Depois de algumas horas de viagem, chegamos a uma ponte, longa uns 20 metros. Dos quatros troncos originais, restavam somente dois e, infelizmente, não muito largos. O que fazer para atravessar? Tratava-se de escolher um dos dois troncos, praticamente iguais. O chofer segurou no volante e caminhou, um pé diante do outro, ao lado da mota, em cima do tronco. Ele tinha os pés dum lado do tronco e os pneus da mota do outro, mesmo no limite, bem na beirinha. Era uma posição extremamente perigosa que exigia uma grande concentração e um equilíbrio de malabarista. Eu ia atrás, com os pés bem assentes no meio do tronco. Segurava a mota com mão firme, equilibrando e empurrando lentamente. A passo de formiga, chegámos ao meio, onde o tronco era um pouco irregular e estreitava perigosamente. Eu chamei-lhe a atenção para o pneu dianteiro que arriscava de cair. Houve um momento de hesitação, ficamos parados, como que bloqueados. Dos dois lados era o vazio. Lá no fundo a água corria violenta e ameaçadora! Era como se estivéssemos suspensos em cima duma corda, onde um falso movimento nos projectaria no vazio!
De repente, dissemos, ao mesmo tempo num grito de desespero e coragem: “Vamos para frente!” Ele endireitou ligeiramente o pneu, eu dei um empurrão suave e decido, a mota avançou direita e segura.  Num abrir e fechar de olhos, estávamos no outro lado, bem seguros em terra firme!
Parámos um bocado para respirar fundo e recuperar da forte emoção. Aquele foi, de longe, o momento mais perigoso e emocionante da viagem. Afinal o perigo nem era muito, pois todos os dois sabíamos nadar!
Um outro rapaz contou-me que ao atravessar a mesma ponte, pediu ajuda a um senhor. Chegados ao meio, o senhor entrou em pânico e começou a gritar descontroladamente. Foi a coragem do rapaz que repreendeu violentamente o senhor e o mandou empurrar a mota para terra firme.
Esta é a pior época para viajar, há muita água, em certos lugares inundações. Nos locais mais difíceis, os viajantes ajudam-se uns aos outros. Sempre que possível, eu aproveitava para tirar algumas fotos. Os jovens com as motas bem carregadas, pediam – “Faz-nos uma foto, mostra aos teus irmãos e conta o nosso sofrimento!”
Eu sabia que as pessoas da Europa (os meus irmãos) não conseguem compreender os sofrimentos causados por estradas impraticáveis que ultrapassam toda a imaginação. Que podia dizer-lhes? Estávamos na mesma estrada, partilhando os mesmos sofrimentos. Algumas vezes ajudava a empurrar as suas motas e dirigia-lhes palavras de coragem e animava-os a continuarem viagem.
Interiormente, repetia convencido – “Temos passados diferentes, mas o nosso futuro será igual”. A que distância está este futuro? Não sei! Mas, um dia, esta gente (os meus irmãos africanos) terá uma vida digna e humana.
A Bondo, descansei dois dias, depois, com um colega, partimos para os últimos 150 km que nos separavam da nossa missão de Bambilo. Viajámos num velho jipe. Pela estrada, parámos uma dezena de vezes para cortar árvores que bloqueavam a passagem.. Estávamos preparados com uma motosserra e catanas.
O último obstáculo, a 10 km de casa, era uma grande árvore oca que escondia um ninho de formigas vermelhas cuja mordedura é como uma picadela de agulha. Estávamos cansados, mas a proximidade da nossa meta deu-nos coragem e as formigas raivosas apressaram-nos. Trabalhámos com vontade e, em pouco tempo, abrimos a estrada!
Chegamos, à noitinha. Os nossos dois colegas esperavam-nos de braços grandes abertos e com um sorriso rasgado e acolhedor.
Depois de tanto viajar, tinham sido quase duas semanas, tinha chegado à casa e apeteceu-me dizer com os ingleses “Home sweet home! – Casa doce casa!”

Bambilo, 10 Outubro 2013

missaonocongo.blogspot.com


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