Uma viagem sofrida
A viagem de mota de Kisangani a Bondo.
2
– A via-sacra
Ao meio-dia parámos
para descansar e comemos num dos muitos
“restaurantes” que existem ao longo da estrada. Eu comia sempre coisas
seguras – arroz branco com uma pasta feita de folhas de mandioca e óleo de
palma – tudo fresco e bem cozidas e bebia da água potável que levava.
Pouco depois do
almoço, chegamos ao fim da estrada boa, entrámos nas estradas normais do Congo.
O primeiro dia
estava a chegar ao fim, e jantamos num outro restaurante. Desta vez não
encontrei as folhas de mandioca e foi-nos oferecido um prato de arroz com um
bom bocado de carne de macaco. Perguntei se era fresca, disseram-me que sim.
Uma grande mosca que seguia o prato fumegante deixou-me sérias dúvidas. Cheirei
e não descobri nenhum odor entranho. Foi o grande apetite (não fome) que
decidiu. Comi e estava delicioso! No dia seguinte a barriga queixou-se e deu
razão à mosca! A carne estragada estava bem disfarçada num bom molho de tomate
apimentado. Felizmente a floresta era grande e a nossa casa aproximava-se cada
vez mais!
A noite
surpreendeu-nos numa grande aldeia. Procurei a capela católica e dormi na
cabana do catequista. Passei uma noite feliz!
No dia seguinte,
partimos com o cantar do galo. Depois de algumas horas de viagem, chegamos a
uma ponte, longa uns 20 metros. Dos quatros troncos originais, restavam somente
dois e, infelizmente, não muito largos. O que fazer para atravessar? Tratava-se
de escolher um dos dois troncos, praticamente iguais. O chofer segurou no
volante e caminhou, um pé diante do outro, ao lado da mota, em cima do tronco.
Ele tinha os pés dum lado do tronco e os pneus da mota do outro, mesmo no
limite, bem na beirinha. Era uma posição extremamente perigosa que exigia uma
grande concentração e um equilíbrio de malabarista. Eu ia atrás, com os pés bem
assentes no meio do tronco. Segurava a mota com mão firme, equilibrando e
empurrando lentamente. A passo de formiga, chegámos ao meio, onde o tronco era
um pouco irregular e estreitava perigosamente. Eu chamei-lhe a atenção para o
pneu dianteiro que arriscava de cair. Houve um momento de hesitação, ficamos
parados, como que bloqueados. Dos dois lados era o vazio. Lá no fundo a água
corria violenta e ameaçadora! Era como se estivéssemos suspensos em cima duma
corda, onde um falso movimento nos projectaria no vazio!
De repente,
dissemos, ao mesmo tempo num grito de desespero e coragem: “Vamos para frente!”
Ele endireitou ligeiramente o pneu, eu dei um empurrão suave e decido, a mota
avançou direita e segura. Num abrir e
fechar de olhos, estávamos no outro lado, bem seguros em terra firme!
Parámos um bocado
para respirar fundo e recuperar da forte emoção. Aquele foi, de longe, o
momento mais perigoso e emocionante da viagem. Afinal o perigo nem era muito,
pois todos os dois sabíamos nadar!
Um outro rapaz
contou-me que ao atravessar a mesma ponte, pediu ajuda a um senhor. Chegados ao
meio, o senhor entrou em pânico e começou a gritar descontroladamente. Foi a
coragem do rapaz que repreendeu violentamente o senhor e o mandou empurrar a
mota para terra firme.
Esta é a pior época
para viajar, há muita água, em certos lugares inundações. Nos locais mais
difíceis, os viajantes ajudam-se uns aos outros. Sempre que possível, eu
aproveitava para tirar algumas fotos. Os jovens com as motas bem carregadas,
pediam – “Faz-nos uma foto, mostra aos teus irmãos e conta o nosso sofrimento!”
Eu sabia que as
pessoas da Europa (os meus irmãos) não conseguem compreender os sofrimentos
causados por estradas impraticáveis que ultrapassam toda a imaginação. Que
podia dizer-lhes? Estávamos na mesma estrada, partilhando os mesmos
sofrimentos. Algumas vezes ajudava a empurrar as suas motas e dirigia-lhes
palavras de coragem e animava-os a continuarem viagem.
Interiormente,
repetia convencido – “Temos passados diferentes, mas o nosso futuro será
igual”. A que distância está este futuro? Não sei! Mas, um dia, esta gente (os
meus irmãos africanos) terá uma vida digna e humana.
A Bondo, descansei
dois dias, depois, com um colega, partimos para os últimos 150 km que nos
separavam da nossa missão de Bambilo. Viajámos num velho jipe. Pela estrada,
parámos uma dezena de vezes para cortar árvores que bloqueavam a passagem..
Estávamos preparados com uma motosserra e catanas.
O último obstáculo,
a 10 km de casa, era uma grande árvore oca que escondia um ninho de formigas
vermelhas cuja mordedura é como uma picadela de agulha. Estávamos cansados, mas
a proximidade da nossa meta deu-nos coragem e as formigas raivosas
apressaram-nos. Trabalhámos com vontade e, em pouco tempo, abrimos a estrada!
Chegamos, à
noitinha. Os nossos dois colegas esperavam-nos de braços grandes abertos e com
um sorriso rasgado e acolhedor.
Depois de tanto
viajar, tinham sido quase duas semanas, tinha chegado à casa e apeteceu-me
dizer com os ingleses “Home sweet home! – Casa doce casa!”
Bambilo,
10 Outubro 2013
missaonocongo.blogspot.com
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