quarta-feira, 14 de maio de 2014

A capela de Guludi

Uma viagem de 70 km a pé para visitar um grupo de cristãos

Guludi, uma das 50 comunidades cristãs da nossa paróquia, fica a 40 km de mota e a 35 km a pé. É uma viagem que requer uma boa condição física. Por isso, um mês antes, começo um programa intenso de preparação física com os jovens. Dirijo os treinos antes dos encontros de futebol e, enquanto eles jogam, eu continuo a correu à volta do campo.
Infelizmente, uma semana antes da viagem, magoei-me numa perna, no terreno de jogo. Além disso, o médico de Bondo, a 150 km, de passagem pela missão, descobriu-me uma “febre tifóide” e deu-me uma cura de antibióticos, que me debilitava o organismo.
No dia da partida tinha melhorado muito. A primeira etapa foi um passeio de 40 km de mota. Cheguei à tarde e celebrei a missa com os cristãos desta grande capela.
O catequista que iria acompanhar-me tinha a irmã muito doente. Fui visitar a senhora que de facto estava em fim de vida. Rezamos e administrei-lhe o sacramento dos doentes.
Apesar da situação muito grave da irmã, o catequista decidiu partir comigo dizendo “Não posso deixar o trabalho que Deus me deu”. Formávamos uma boa equipa, eu ainda meio coxo e ele desesperado com a doença e possível morte da irmã!
À noite, o jantar que me serviram era abundante e saboroso! Tive pena do meu colega de viagem, era magro, pálido e tinha uma cara de fome, convidei-o a jantar comigo. Tive o cuidado de dizer-lhe que era necessário deixar um pouco para o nosso pequeno-almoço do dia seguinte. Mas ele tinha outras contas a fazer, pois aquela era a primeira refeição do dia e, portanto comeu com apetite! Chegou outro catequista, também ele com fomes atrasadas! Conclusão, o que era muito para mim, foi pouco para quem tinha muita fome! E o pequeno-almoço do dia seguinte foi comido no jantar daquele dia!
O programa era claro. Partida às 5.30. Fazer uma primeira etapa de 20 km. Parar para celebrar a Missa e depois continuar por mais 15 km até Guludi. Levantei-me cedo e esperei pelo catequista que só chegou perto do 7.00 horas! Partimos com uma mochila.
Os primeiros 10 km caminhei com precaução para não despertar a entorse do pé. Depois, foi caminhar e puxar pelo corpo até ao limite. Aos 15 km encontramos um jovem que vendia ananás e sumo de palma (mais ou menos como o mosto de uva). Cada um tomou um copo de deste mosto denso e açucarado, dividimos o ananás delicioso e suculento e continuámos estrada, saboreando o nosso pequeno-almoço num ambiente de sonho!
Antes do meio-dia chegamos à capela, onde estava prevista a celebração da Eucaristia. Os cristãos esperavam-nos no meio de muita alegria e certa incredulidade. Enquanto descansava, fizemos um conselho de capela (notícias da capela, dificuldades encontradas). Depois da missa almoçamos e continuamos caminho, eram as 14.30 horas e tínhamos ainda três horas de marcha forçada para completar os 15 km de floresta e savana. Chegamos às 17.30 horas, pouco antes do anoitecer.
À entrada da aldeia havia um grupo de crianças que nos esperavam. Um deles precipitou-se, abraçou-me, apanhou a minha mochila e correu levar a boa notícia da nossa chegada. Pouco depois ouvimos o som do tambor que anunciava a chega do missionário.
Foi uma recepção comovente – todos queriam cumprimentar-me, abraçar, desejar as boas vindas. Um senhor cego, que se deu conta da nossa passagem, veio apressado e quase bateu num tronco de árvore, antes de ser ajudado.
 Ali ficamos sábado e domingo. A Eucaristia do domingo foi uma grande festa, pois há um ano que não tinham missa.
Na segunda-feira, bem cedo retomamos o caminho do regresso, mais 35 km! O catequista amanheceu com uma grande dor de cabeça, no centro de saúde local não havia nem uma aspirina! Por sorte eu tinha algumas aspirinas e, o mais importante, uma cura anti-malária. Ele tomou tudo e partimos.
A meio caminho dei-me conta que eu tinha uma bolha da água num pé. Tentei resolver o problema com um pouco de algodão, não deu resultado. Ignorei-a e a dor era suportável.
Paramos, ainda, para rezar numa capela a 10 km da nossa meta. Foi um momento de repouso e de restaurar forças com um bom almoço. Os últimos quilómetros foram muito difíceis para o catequista abatido pela malária. Ele queixava-se “não posso mais!” Eu, que ia à frete e comandava a caminhada, encorajava-o e mantinha a passada larga e rápida. Parar seria fatal. O corpo quente suporta melhor a dor.
Finalmente chegamos onde tínhamos deixado a mota. Ele tinha chegado à casa e tinha encontrado a irmã ainda com vida. Eu tinha ainda 40 km, mas de mota, antes de chegar à minha casa. Durante a estrada fui presenteado com uma grande chuva, coisa rara nesta época. Uma pequena árvore caída na estrada  atrasou-me ainda mais.
Cansado ao extremo, molhado até bem dentro, mas feliz, cheguei á casa ajudado pelos faróis da mota.
No dia seguinte, a bolha de água tinha-se tornado numa pequena infecção que me impedia de caminhar normalmente, mas não impedia a actividade normal do dia-a-dia!

Bambilo (Bondo), R. D. Congo 30 de Janeiro de 2014 


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